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Um dos grandes momentos de viragem do enredo de Wish: O Poder dos Desejos dá-se quando Asha, a sua jovem heroína, expressa um desejo a uma estrela numa canção, “This Wish”. A sequência remete directamente para um dos filmes de animação de Walt Disney, Pinóquio, quando o Grilo Falante entoa “When You Wish Upon a Star”, uma canção que ficou quer na história do cinema, quer na do próprio cancioneiro norte-americano, tendo sido classificada como a sétima melhor da lista de 100 Maiores Canções da História do Cinema feita pelo American Film Institute (até é citada por Steven Spielberg no final de Encontros Imediatos do Terceiro Grau). E durante muitos anos foi, recorde-se, o tema musical da própria Disney.
A canção de Asha, no entanto, não só não nos fica no ouvido e a levamos connosco para fora do cinema uma vez terminado o filme, como nunca atingirá o estatuto popular e icónico de “When You Wish Upon a Star”. E é este o problema desta nova longa-metragem de animação da Disney, realizada por Chris Buck (Tarzan, Frozen – O Reino do Gelo, Frozen II – O Reino do Gelo) e pela estreante Fawn Veerasunthorn, e escrita também por Buck, Jennifer Lee (Frozen – O Reino do Gelo, Zootrópolis, Frozen II – O Reino do Gelo) e Allison Moore. Está sempre a referenciar, a homenagear e a acenar para os grandes clássicos animados do estúdio, sem no entanto lhes conseguir sequer chegar aos calcanhares na história e na animação, na música e no humor, ou na capacidade de encantar e arrebatar. E isto sendo Buck e Lee gente “da casa”, associados àqueles que foram os seus últimos sucessos animados e de crítica, os dois Frozen – O Reino do Gelo.
Além de Pinóquio, ao longo de Wish: O Poder dos Desejos, surgem, entre outros, referências a Branca de Neve e os Sete Anões, A Gata Borralheira, Bambi, A Bela Adormecida, A Espada Era a Lei ou A Bela e o Monstro, e o último plano remete mesmo para o actual logótipo da Disney. Era natural que, no ano em que se assinala o centenário da companhia fundada por Walt Disney, os seus responsáveis quisessem fazer um brilharete com Wish: O Poder dos Desejos, e que o filme, além de mencionar outros que, antes dele, fizeram a grande história da Disney, e dos desenhos animados em geral, incorporasse, no gesto estético e no discurso narrativo, o seu espírito (e não é por acaso que foi feito combinando animação tradicional em desenho e pintura em aguarela, e por processos digitais).
Só que o talento, a criatividade, a inspiração, a magia, o que quer que lhe queiramos chamar, já não são a mesma coisa. Esta história passada num reino utópico situado numa ilha no Mediterrâneo, Rosas, cujo rei, o charmoso e benevolente Magnífico, também um grande feiticeiro garante a segurança e a prosperidade dos seus habitantes, em troca da custódia dos seus maiores desejos, que ele só realiza quando bem lhe aprouver, e da revolta da jovem Asha e dos seus amigos, ajudados pela estrela invocada por esta (e que parece saída de uma animação japonesa fofinha) que leva o monarca a recorrer a uma magia perigosa e maléfica que o possui irremediavelmente, seria até aceitável se saída de um estúdio menor e sem o peso histórico e os pergaminhos da Disney.
Só que quanto mais Wish: O Poder dos Desejos tenta alçar-se ao nível dos filmes que cita e a que presta tributo, mais revela que é incapaz de os emular e fica-se em tudo por uma mediania diligente mas insípida e baça, salvo em dois ou três momentos. A fita consegue, ainda assim, ser um pouquinho melhor do que Raya e o Último Dragão, Encanto e sobretudo do que a catastrófica Estranho Mundo. Mas parece bem que não há desejos, por mais intensa, sincera e profundamente que sejam expressos, que acudam à animação da Disney. E não se vê algures um sucessor de Jeffrey Katzenberg que possa vir dar-lhe um novo alento.