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Desde os anos 80 que Steven Spielberg queria fazer um musical e teve um projecto original e semi-autobiográfico chamado Reel to Reel – a história de um jovem realizador que chega a Hollywood em plena crise dos grandes estúdios clássicos – mas acabou por o abandonar. Em 2014, Spielberg decidiu-se a rodar uma nova versão de West Side Story – Amor Sem Barreiras, e em grande parte por questões afectivas. O disco da produção original da Broadway, assinada por Stephen Sondheim, Leonard Bernstein, Jerome Robbins e Arthur Laurents foi o primeiro do género a ser ouvido em casa da família Spielberg nos anos 50, e deixou-lhe uma recordação inesquecível.
Este novo West Side Story, com argumento de Tony Kushner, não é nem uma nova versão reverencialmente fiel ao filme de 1961 de Robert Wise e Jerome Robbins, nem uma releitura ou uma actualização deste para os nossos tempos. É, sim, segundo o próprio Spielberg, um filme que se refere directamente ao musical da Broadway original, estreado em 1957, conservando intactos todos os números musicais, com uma partitura adaptada por David Newman da original de Leonard Bernstein e uma coreografia de Justin Peck muito inspirada na de Robbins.
Estrutural e narrativamente muito semelhante ao musical e ao filme de Wise e Robbins, e passado na mesma na Nova Iorque popular das décadas de 50/60, o West Side Story de Steven Spielberg apresenta, no entanto, algumas diferenças. Do ponto de vista visual, é um filme mais “duro”, mais carregado, mais grunge, sem o deslumbramento do Technicolor de West Side Story – Amor Sem Barreiras. E Spielberg enfatiza também o lado do realismo social e da mensagem política, ao acentuar a rivalidade entre o gangue branco dos Jets e o gangue porto-riquenho dos Sharks, e sublinhar o ambiente de intolerância, violência e tensão racial intensa. O filme pode continuar ambientado na Nova Iorque de há 60 anos, mas é dos EUA de agora que o realizador está a falar.
Ao contrário do que sucede no filme de Wise e Robbins, todas as personagens latinas são aqui interpretadas por actores e actrizes latinos. Alguns números musicais foram mexidos em termos de localização, caso de “Gee, Officer Krupke”, que agora decorre na cadeia e sem a presença do sargento Krupke; e “Somewhere” é cantado não por Consuelo mas sim pela personagem de Rita Moreno, que interpretou Anita no original e agora surge na versão feminina de Doc, o dono da drugstore do bairro. O que é um erro crasso, já que Spielberg põe uma idosa que já viveu a sua vida, e não pode aspirar por mais nada, a entoar uma canção de esperança originalmente cantada por uma jovem com a vida toda à sua frente.
Ansel Elgort será muito bem parecido, mas o seu Tony é um peso morto, com défice de carisma e pouca chama e profundidade emocional. Bem melhor, em presença, sensualidade à flor da pele e arrebatamento sentimental, é a Maria de Rachel Zegler, que tem também uma bela voz (recorde-se que Natalie Wood foi dobrada na fita original por Marni Nixon, a mais célebre cantora fantasma de Hollywood); e Mike Faist, num riff a soar inquietação, insolência e perigo, quase que leva o filme debaixo do braço para casa.
Visualmente, este West Side Story acaba por ser contaminado por esse peso social, pelo endurecimento da hostilidade e da violência entre os dois gangues e pelo ponto de vista pessimista do argumento de Kushner e da percepção de Steven Spielberg. Está inegavelmente muito bem filmado, embora seja esteticamente menos polido e menos apelativo do que a versão de Wise e as coreografias de Justin Peck, com uma ou outra excepção (caso do vibrante e multicolorido America), não tenham a graça aérea, o vigor elegante nem a alegria contagiante das de Jerome Robbins.
Quando avançou para este projecto, Steven Spielberg disse que a sua intenção não era fazer um musical modernaço, mas sim um musical “conservador, daqueles à moda antiga”. O seu West Side Story é a concretização possível deste desejo, num tempo em que, no cinema, o musical é um género para todos os efeitos extinto. Ficamos, assim, com um West Side Spielberg.