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Pedro Costa é um realizador que tem um culto intenso, decifradores enlevados e defensores férreos dentro e fora de portas. Eu sou ateu confesso do cinema de Pedro Costa desde No Quarto da Vanda, e não é Vitalina Varela que me vai voltar a fazer crente.
Vitalina, uma cabo-verdiana cinquentona, chega a Lisboa poucos dias após o funeral do marido. Estava há 25 anos à espera de receber o bilhete de avião para vir ter com ele e instala-se no casebre do bairro degradado onde vivia o defunto, para arrumar os seus parcos pertences e saber da vida que viveu sem ela durante todo este tempo.
A personagem de Vitalina já tinha aparecido no filme anterior de Pedro Costa, o impenetrável Cavalo Dinheiro, e apesar de Vitalina Varela ser um pouco mais legível e um tudo nada mais narrativo do que este, continuamos no mesmo comprimento de onda cinematográfico, contemplando o mesmo ponto de vista e presos no mesmo discurso. É a vulgata auto-referencial do miserabilismo estóico, o chover no molhado do abjeccionismo amaneirado e condescendente.
Tudo é plúmbeo, desgraçado, sofrido e lento, oh tão lento, em Vitalina Varela, onde Pedro Costa se compraz mais uma vez na estetização aprimorada da desdita sem fundo das suas monossilábicas, resignadas, inexpressivas e entorpecidas personagens.
Vitalina vasculha os tarecos deixados pelo marido, lamenta o estado do casebre, recebe os pêsames dos vizinhos, enxota os maledicentes, vagueia pelo bairro e é filmada longamente pela câmara rígida de Costa como se fosse a Pietà africana dos deserdados (já no início tinha sido mostrada a descer do avião de pés descalços e a sangrar, para que percebêssemos que é uma figura de grande e indizível sofrimento). O indispensável Ventura também pica o ponto, num padre sem congregação que se deita no solo a balbuciar coisas desesperadas e ininteligíveis. Vitalina Varela é o extremismo do cinema de inacção, um The Walking Dead de autor na Cova da Moura.
Por Eurico de Barros