Para interpretar Dick Cheney, o vice-presidente mais poderoso, influente e nocivo da história dos EUA em Vice, de Adam McKay, desde a sua juventude até à velhice, Christian Bale engordou 20 quilos e foi fisicamente alterado por efeitos digitais e de maquilhagem (próteses, chumaços, etc.).
O filme dá-nos uma boa oportunidade para perguntarmos se vale a pena a um actor submeter-se a tais alterações físicas e artifícios técnicos para ficar o mais parecido possível com a pessoa que interpreta, se há um valor dramático em si em toda esta manipulação, e onde realmente acaba a interpretação e começam os efeitos.
Quanto ao Dick Cheney de Bale resulta numa figura cartoonesca, tal como a maior parte das personagens de Vice, e se o actor apanhou bem o hábito do político de falar dos cantos da boca, tudo o resto parece forçado, artificial e pouco convincente. Sim, a tão falada “parecença” está lá, atingida à custa de muita gordura, software e trabalho de bastidores. Mas essa “parecença” de “gémeo” chega para validar uma interpretação?
Tudo era mais simples e natural quando se escolhiam actores para interpretar políticos pela sua semelhança, pela idade aproximada da dos ditos e pelo talento que tinham para se tornar neles pelo simples acto da representação. E não para os transformar em sósias deles, à força de regimes físicos, de tecnologia e de acrescentos artificiais vários.
Adam McKay, autor do brilhante A Queda de Wall Street (2015) começa Vice a dizer que não vamos ver um filme certinho, objectivo, factualmente fundamentado sobre Dick Cheney, ao referir-se-lhe desde logo como “um sacana dissimulado”.
Vice é uma fita de execração em jacto contínuo do antigo vice-presidente dos EUA, dobrada de panfleto anti-Republicano inflamado, em que o realizador utiliza o mesmo estilo pop, cool, deliberadamente desarrumado e cronologicamente desconjuntado de A Queda de Wall Street.
Só que aqui não resulta, porque o que funcionava bem para trocar por miúdos a crise do subprime e o crash financeiro de 2008, não dá para, em pouco mais de duas horas, analisar e explicar uma figura como a de Dick Cheney, o que ele pensava e o que o motivava; bem como resumir o que foi a nefasta acção dos “neocons” (uma palavra que, curiosamente, não se ouve em todo o filme) corporizada na administração de George W. Bush, e toda a extensão do dano que causaram aos EUA e à sua imagem internacional, ao mundo – e ao Médio Oriente em especial – e ao próprio Partido Republicano.
Ficamos assim com duas horas e picos de pregação esquemática e comicieira aos convertidos, de um Dick Cheney parte Darth Vader à civil, parte vilão de desenho animado, parte defensor dos interesses dos “brancos, ricos e direitistas”, e de personagens quase todas bonecos prontos-a-gozar ou prontos-a-detestar. Com a excepção da Lynne Cheney da sempre excelente Amy Adams, a única figura à qual McKay concede a dimensão humana negada às demais. Vice é um filme político, mas da variante “para totós”.
Por Eurico de Barros