Imaginem que estão a ver um concerto do vosso grupo de rock favorito numa sala de espectáculos, mas não podem levantar-se dos lugares, dançar, gritar ou atirarem-se para cima do carismático vocalista e guitarrista. Porque são logo postos na ordem – ou mesmo expulsos – pelo pessoal da sala e por capangas do governo.
Era assim que se viam concertos de rock na URSS, em finais dos anos 70 e inícios da década de 80, pouco antes da morte de Brejnev, em “clubes de rock” criados e geridos pelo Estado. E nos quais só tocavam os grupos aprovados pelas respectivas direcções.
O realizador e encenador Kiril Serebrennikov viveu na juventude, em Leninegrado, essa era cinzenta em que o rock fazia entrar alguma luz de alegria, agitação, revolta e esperança. E recorda-a, bem como aos seus protagonistas, em Verão, um filme ora melancólico ora vital, cujo título é o mesmo de duas canções de dois famosos grupos locais: os Zoopark, liderados pelo fleumático Mike Naumenko, e os Kino, do inflexível Viktor Tsoi.
Ao longo das duas horas desta fita a preto e branco com ocasionais convulsões coloridas, Serebrennikov, que se retrata como o tipo em segundo plano sempre de câmara de filmar na mão e que quer ser cineasta, mostra como Mike foi o mentor de Viktor e o ajudou a chegar à ribalta, e depois se afastou; filma a intromissão (na realidade nunca consumada) de Viktor no casamento de Mike e Natalia, os concertos públicos e em apartamentos privados, a dificuldade em arranjar os discos, gravações em fita ou piratas dos grupos e cantores ocidentais favoritos. E as frustrações e resignações de quem se queria dedicar a um tipo de música vista com maus olhos pelo Estado de um país totalitário.
Filme político sem o ser de forma estridente e óbvia, Verão evoca, sem revanchismo e com delicadeza, este tempo de declínio da URSS em que quem ouvia, tocava e respirava rock procurava ser minimamente feliz. Mesmo morando com a mulher e um bebé num apartamento pequeno e decrépito, a ganhar um ordenado de contínuo, a ver o baterista do grupo ir combater para o Afeganistão e a saber que “pouco vale ser a rã número um, quando se vive num pântano”.
Por Eurico de Barros