Convencionou-se que os filmes sobre músicos e cantores famosos têm que mostrar em detalhe como é que eles chegaram à fama, e destacar o momento em que conseguiram vingar. Variações, de João Maia, fura esta convenção. A fita demora-se em boa parte a seguir António Variações quando era ainda um anónimo barbeiro aspirante a cantor, e uma figura colorida da Lisboa pós-25 de Abril e da sua incipiente nova cena nocturna, musical e de costumes; e salta depois para os últimos tempos da sua vida, após a fama e antes de morrer prematuramente, de sida, em 1984, aos 39 anos. É o “antes” do reconhecimento e da notoriedade que mais interessa ao realizador.
Variações tinha um pé na aldeia e na tradição, e outro no cosmopolitismo e na modernidade. E fazia a síntese desses aparentes contrários na heterogeneidade inovadora e irrotulável da sua música, e na exuberância desconcertante da sua figura. O filme deixa-o bem claro, mostrando a convicção que ele tinha no seu talento e a vontade inabalável com que procurava dar-se a conhecer a uma indústria musical pouco interessada em o fazer e dura de ouvido, frisando o apoio e a confiança que pessoas como o jornalista, seu amigo e agente informal Luís Vitta lhe deram, e mostrando apenas o suficiente sobre a sua intimidade para informação do espectador. Tal como não pretende “explicar” o talento e a singularidade de Variações, João Maia também não lhe escancarara a vida íntima, nem a usa para qualquer tipo de doutrinação.
Alicerçado na interpretação de Sérgio Praia, que se transmuta em António Variações, da voz ao modo de ser e estar, recriando a época de forma credível e fugindo a lugares comuns e tiques pop na forma e no discurso, Maia assina um dos melhores filmes portugueses deste novo século.
Por Eurico de Barros