Todos estamos fartos de ver filmes sobre o reencontro e a reconciliação entre um pai e uma filha (ou um pai e um filho, ou uma mãe e uma filha, etc.) que a vida afastou. Mas nenhum até agora conseguiu ser tão estranho e tão desconcertante como Toni Erdmann, da alemã Maren Ade, que foi um dos fenómenos de popularidade do Festival de Cannes, onde competiu (e onde não ganhou nada), e tem vindo a colecionar prémios em todo o lado, estando indicado para o Óscar do Melhor Filme Estrangeiro.
É a história de Winfried Conradi (Peter Simonischek), um professor de música reformado que gosta muito de pregar partidas (o filme abre com ele a convencer um entregador de encomendas que o pacote que O papá gosta de pregar partidas tem na mão contém uma bomba) e que tem uma filha, Ines (a excelente Sandra Hüller), uma power woman fria e profissionalíssima que trabalha na Roménia. Winfried acha que Ines leva uma vida triste e vai visitá-la a Bucareste. E a sua maneira de tentar chamá-la de novo para si e tirá-la da sua rotina cinzenta de executiva de sucesso é assumir uma falsa identidade, a do Toni Erdmann do título, um life coach com dentes falsos e uma cabeleira postiça, e accionar todo o seu arsenal de partidas para a fazer rir. Mas em vez de se zangar com o pai e lhe rogar para voltar para a Alemanha, Ines tolera-o e até o introduz no seu pequeno círculo de amigos, o que vai dar origem a uma série de situações incómodas e equívocas.
Se Toni Erdmann fosse uma comédia americana, teria um actor pachola como Bill Murray no papel do pai e seria acelerada, cheia de partes gagas e despachada em hora e meia. Mas como é uma comédia alemã, Toni Erdmann dura quase três horas e sempre no mesmo registo átono e impessoal, tal como a realização de Maren Ade, sem o menor sobressalto dramático, e que neste aspecto ecoa a própria vida emocionalmente asséptica de Ines.
A própria personagem de Toni, tal como Winfried a compõe, é mais sinistra do que cómica, o tipo de pessoa de que nos afastaríamos instintivamente se nos abordasse. Daí que a comédia de Toni Erdmann não seja espalhafatosa, expansiva e de rir às gargalhadas: é embaraçosa, de mal-estar e fazer sorrir entredentes (ver as sequência da festa de aniversário de Ines, que passa de convencional a nudista, para embaraço de todos os convidados, e onde Winfred/Toni é o único que está vestido, embora da forma mais insólita possível).
Em plano secundário, e através do quotidiano profissional de Ines, Maren Ade dá-nos ainda um retrato deprimente da vida de um certo tipo de quadros superiores desta Europa das multinacionais, da deslocalização, da homogeneização económica, do desenraizamento social e da perda das identidades nacionais, totalmente contrária à Europa “dos povos” utopicamente unida e feliz mas diversa da propaganda ouvida em Bruxelas.
Lá no fundo, e se virmos bem, Toni Erdmann não passa de uma convencionalíssima comédia sentimental sobre a recuperação dos afectos entre um pai e uma filha, e a frieza desumanizadora das sociedades consumistas e da hipercomunicação contemporânea. Só que com um embrulho formal, uma apresentação narrativa, um registo e interpretações acentuadamente de filme de “autor”.
Daí muita da estranheza – até mesmo do desconforto – que sentimos no nosso confronto com este filme. Toni Erdmann não é aquilo que quer parecer, mas é tão bom mesmo assim, que acaba por não vir nenhum mal ao mundo.
Por Eurico de Barros