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Diz o ditado que “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Ora em Tão Só o Fim do Mundo, o novo filme da coqueluche canadiana Xavier Dolan (Laurence para Sempre, Tom na Quinta, Mamã), há muita comida na mesa mas toda a gente não pára de ralhar e toda a gente quer ter razão. Existe uma palavra francesa que define às mil maravilhas esta adaptação de uma peça de teatro de Jean-Luc Lagarce: “surfait”. Isto é, exagerado, empolado, excessivo. Este Tão Só o Fim do Mundo é um exercício de histeria em jorro contínuo, onde Dolan, também autor do argumento, pensa que criar situações dramáticas consiste apenas em pôr as personagens a berrar umas para as outras a plenos pulmões e depois esborrachar-lhes a câmara na cara, ou seja, fazer teatro filmado em muito grande plano.
Gaspard Ulliel interpreta Louis, um artista homossexual que está a morrer (supõe-se que de sida, a doença que vitimou Jean-Luc Lagarce aos 38 anos, em 1995) e que, doze anos depois de ter saído de casa, no interior do Canadá, e rumado a uma grande cidade para se tornar célebre, regressa para reencontrar a família e dar-lhe a trágica notícia. Além de Ulliel, Xavier Dolan mobilizou um elenco peso-pesado: Natalie Baye na mãe brega, Vincent Cassel no irmão mais velho colérico e com complexos de inferioridade, Marion Cottilard na afável, trémula e submissa mulher deste, e Léa Seydoux na irmã mais nova, emocionalmente confusa, desastradamente tatuada e fumadora de ganzas em série.
Apesar de ter todo este talento junto na mesma casa, tudo o que Dolan faz é filmar, durante hora e meia, e no espaço de uma longa refeiçãode várias horas num domingo de canícula. o estereótipo estafado da família disfuncional em estridente recriminação colectiva, perante um Louis ultrapassado e siderado por tanta e tão contínua agressividade verbal, tanto e tão incontido rancor. Vá lá saber-se como ou porquê, Tão Só o Fim do Mundo ganhou o Grande Prémio do Júri no Festival de Cannes. Devem ter ficado intimidados pela gritaria.
Eurico de Barros