Crítica

Silêncio

4/5 estrelas
Dirigido por Martin Scorsese, esta história de dois padres portugueses de viagem pelo Japão no século XVII é uma das estreias mais aguardadas do início de 2017
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A Time Out diz

Nunca se viu um filme sobre o sofrimento, o martírio, a tortura física e da alma tão bonito como Silêncio, de Martin Scorsese. Para ele, a dor mais lancinante vem de mãos dadas com a estética mais cuidada. Vejam-se as sequências da tortura de padres jesuítas com água a ferver pelos soldados, da crucificação no mar de três cristãos japoneses, ou como Scorsese filma em muito grande plano, apenas iluminado por fogueira, a agonia de dúvida do padre interpretado por Andrew Garfield. É cinema insuflado pelo sopro pictórico de um Caravaggio ou de um Rembrandt.

A fita é adaptada do romance homónimo do escritor católico japonês Shūsaku Endō (j. filmado em 1971 pelo japonês Masahiro Shinoda, e por João Mário Grilo em Os Olhos da Ásia, de 1996) e é um dos projectos da vida de Scorsese, que só o concretizou ao fim de mais de 25 anos. Nela encontramos as preocupações e inquietações que o realizador, no seu catolicismo cheio de pontos de interrogação, já esmiuçou em filmes contemporâneos, e com personagens e roupagens mais lineares e prosaicas, mas cheios de ressonâncias religiosas, de Os Cavaleiros do Asfalto a Taxi Driver, passando por Touro Enraivecido (a culpa, a dúvida, a traição, a penitência, a redenção), e em A Última Tentação de Cristo.

Passado no Japão do século XVII, quando os missionários jesuítas e os cristãos locais eram perseguidos e supliciados, Silêncio centra-se em dois padres portugueses, Rodrigues (Garfield) e Garrupe (Adam Driver), que vão àquele país clandestinamente, em busca do seu mentor, o padre Ferreira (Liam Neeson), sobre o qual corre que terá abjurado sob tortura. Lá chegados, e após contactar os cristãos japoneses que vivem no terror de ser descobertos, os dois jesuítas acabam por ser também capturados e brutalmente pressionados para negar a sua fé.

Scorsese foca a história no confronto de religiões, culturas, mentalidades e concepções de Deus e da natureza entre ocidentais e nipónicos, dando voz às razões dos japoneses para reprimir a missionação cristã (a violência utilizada crescia na proporção da teimosia dos missionários em não ir embora), e mostrando como muitos dos convertidos locais abraçavam a fé cristã apenas por ela prometerum Paraíso que era o oposto das suas míseras e duras existências. Só que omite a razão política da repressão, pois os jesuítas surgiam como um perigoso poder alternativo sobre as populações.

Martin Scorsese não é, ao contrário de Dreyer, Bergman ou Bresson, um cineasta do transcendente, do espiritual, da batalha íntima e invisível entre a fé e a descrença. Daí que Silêncio tenha muito de laborioso, de reiterativo e de óbvio ululante ao expôr o que está em causa (abjurar para salvar os que sofrem, ou morrer mártir e fazer dos outros mártires? Negar Deus para salvar homens?).

Mas o sincero e intenso fervor que Scorsese instila na narrativa, a interpretação de Adam Garfield, que dá uma expressão quase insuportável à tortura interna da personagem, e a beleza cruel do filme (rodado em Taiwan) salvam-nos de acabarmos por descrer nele.

Por Eurico de Barros

Detalhes da estreia

  • Classificação:15
  • Data de estreia:domingo 1 janeiro 2017
  • Duração:161 minutos

Elenco e equipa

  • Realização:Martin Scorsese
  • Argumento:Jay Cocks, Martin Scorsese
  • Elenco:
    • Andrew Garfield
    • Adam Driver
    • Liam Neeson
    • Issey Ogata
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