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Os regimes vêm e vão, os governos são eleitos e derrubados, mas o futebol e a clubite são mais fortes que tudo, e tudo relegam para segundo plano. É assim no Portugal de hoje; já era assim no Portugal do regime autoritário, embora não de forma tão azeda, obsessiva e omnipresente como agora.
No início dos anos 60, Benfica e Sporting mobilizaram as respectivas influências junto do governo, de instituições do regime como a Legião Portuguesa e das mais altas instâncias do futebol nacional, para garantir a contratação de um jovem prodígio moçambicano chamado Eusébio. Que acabou no Benfica, após ter viajado da então Lourenço Marques para Lisboa perto do Natal de 1960, usando, para iludir os sportinguistas, o nome falso de Ruth, o da filha de um talhante daquela cidade, doente do Benfica.
É a história, de contornos semipoliciais, deste braço de ferro entre os eternos rivais por Eusébio (Ivan Regalla) e os seus pés mágicos, que António Pinhão Botelho recria em Ruth, tendo em fundo um regime a braços com o assalto ao Santa Maria, os massacres em Angola e as pressões da ONU e da administração Kennedy. Mas a bola fala mais alto.
Escrito por Leonor Pinhão e rodado em Lisboa e Moçambique, Ruth tem um travo televisivo que é inevitável no cinema nacional. Mas dentro das consabidas limitações da nossa produção narra os factos com lhaneza, desembaraço e sentido de humor, à custa das picardias, dos ridículos e das anedotas da rivalidade entre os dois "grandes". É um filme sobre Eusébio antes de ser o Pantera Negra da lenda, e sobre um Portugal em que o futebol e a clubite eram mais inocentes que hoje, e não tinham sido estragados pelas televisões, pelo dinheiro e pelos dirigentes.
Por Eurico de Barros