Pensem no reverso do espelho de ‘os dias da rádio’, que Woody Allen realizou há 30 anos, em 1987, e têm o seu novo filme, Roda Gigante. Passa-se em Coney Island nos anos 50, quando aquele era ambientado nas décadas de 30 e 40. E em vez de ser uma comédia docemente nostálgica, é um drama crescentemente azedo, apesar de ao início sugerir o oposto.
Kate Winslet interpreta Ginny, uma quarentona egocêntrica e frustrada, que foi actriz na juventude e está presa, com um filho de um primeiro casamento, a uma união com o boçal Humpty, um operador de carrossel (Jim Belushi) e a um emprego de criada de mesa. Ginny engana o marido com Mickey, um jovem salva-vidas (Justin Timberlake), sentimentalmente volúvel, aspirante a Grande Dramaturgo Americano, que vê a vida pelo filtro da literatura e é também o narrador do filme. As coisas vão precipitar-se quando entra em cena a jovem e bonita Caroline (Juno Temple), filha do primeiro casamento de Humpty, em fuga do marido, um mafioso de Nova Iorque que a mandou matar. Caroline vem esconder-se em casa do pai, com o qual estava desavinda há anos. E acaba por se envolver com Mickey.
Contrastando as referências a nomes maiores do teatro (Chekhov, O’Neill) com a vulgaridade mesquinha e egoísta dos sentimentos em jogo no enredo, Woody Allen e o seu director de fotografia, mestre Vittorio Storaro (com o qual já havia trabalhado no anterior Café Society) , dão à fita a rica personalidade visual dos melodramas em Technicolor da década de 50, alterando as cores conforme os cambiantes emocionais e os estados de espírito das personagens, por vezes dentro do mesmo plano.
Roda Gigante pode parecer um filme forçada e superficialmente “teatral”, mas é na elaborada e intensamente cinematográfico, com uma Kate Winslet brilhante a fazer de prima “espiritual” de Blanche DuBois.
Por Eurico de Barros