Retratos Fantasmas
DRRetratos Fantasmas

Crítica

Retratos Fantasmas

3/5 estrelas
Kleber Mendonça Filho recorda a casa onde cresceu e onde ainda vive, as metamorfoses do Recife e as suas grandes salas de cinema, que desapareceram quase todas.
  • Filmes
  • Recomendado
Publicidade

A Time Out diz

Pouco depois do início do documentário Retratos Fantasmas, do brasileiro Kleber Mendonça Filho (O Som em Redor, Aquarius, Bacurau), o realizador mostra o que diz poder ser a fotografia de um fantasma, tirada por ele na sua casa do Recife, uma moradia dos anos 70 onde cresceu com a mãe divorciada e mora ainda com a família, e que já sofreu um par de alterações profundas (uma delas da responsabilidade do irmão, que é arquitecto). A casa, tal como o próprio Recife, onde Kleber nasceu, são duas das grandes protagonistas de Retratos Fantasmas. Embora os fantasmas que mais interessam no filme são os grandes cinemas da cidade, que ele frequentou e onde fez muita da sua educação cinéfila, por onde passaram várias gerações dos seus concidadãos e que já desapareceram quase todos, tirando o São Luiz, hoje uma sala pública.

Sucedeu no Recife aquilo que se passou em muitas grandes cidades de todo o mundo. O centro histórico, que foi outrora o coração da urbe – económico, comercial, cultural, social e de entretenimento – foi-se degradando, por razões diversas. E as pessoas, o dinheiro, os negócios, os pólos de diversão e a prosperidade mudaram-se para outra zona da cidade. Os cinemas que lá se encontravam não escaparam a essa degradação, tendo fechado, sido demolidos, ocupados por outras actividades (supermercados, igrejas evangélicas, centros comerciais) ou permanecendo fechados e a deteriorar-se pouco e pouco.

Retratos Fantasmas é, em boa parte, uma fita sobre a relação de Kleber Mendonça Filho com essas salas outrora cheias de espectadores e hoje mortas ou desfiguradas, as suas histórias, as recordações que tem delas, dos seus proprietários e de pessoas que lá trabalhavam (caso do veterano projeccionista Alexandre Moura, a cuja memória a fita é dedicada), e de lugares e actividades relacionados com o cinema (o prédio em que as grandes distribuidoras americanas tinham os seus escritórios, o homem que vendia na rua cartazes, fotos e material de imprensa que estas deitavam fora). Mas também com a sua própria casa, e as modificações que foi sofrendo, assim como com a grande cidade em seu redor e as suas respectivas mutações.

Retratos Fantasmas começa na intimidade do lar, em família, abre-se depois ao Recife, para em seguida se centrar nos cinemas. E a casa, o seu bairro, a cidade e as salas fazem parte integrante dos filmes do realizador, já que aparecem ou constituem os cenários de muitos dos seus home movies e curtas-metragens, bem como das suas duas primeiras longas-metragens de ficção, O Som em Redor e Aquarius, referidos e citados ao longo do documentário (nem Nico, o barulhento mas inofensivo cão dos vizinhos da casa ao lado, escapa a aparecer – ou a ser claramente ouvido – neles, muito menos os gatos do bairro).

A atitude do cineasta é menos de nostalgia por um tempo desaparecido e irrecuperável, que sobrevive apenas na memória e em recordações, objectos e nalguns locais e sinais físicos, do que de constatação de todas essas modificações e metamorfoses, e da sua inevitabilidade (os mais sentimentais ou sensíveis poderão, precisamente, apontar a Retratos Fantasmas alguma falta de afectuosidade – ou o cercear dela – no acto de recordar). O final da fita é, no entanto, desinspirado e desarmónico com tudo aquilo que Kleber Mendonça Filho mostrou e disse antes, mesmo que o condutor do Uber que transporta o realizador apresente qualidades fantasmáticas. Os espectros de pedra, betão e celulóide são bem mais interessante.

Publicidade
Também poderá gostar