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Ramiro mora em Lisboa e é alfarrabista e poeta muito, muito bissexto. Desmazelado, desprendido das coisas e do tempo em que vive (não tem computador e anda com um telemóvel antediluviano), tem um cão, Ortigão, uma semi-namorada, Patrícia, que lhe atura as manias todas e lhe diz que está na altura de tomar um banho, alguns amigos avulsos, com os quais almoça de vez em quando e é o encarregado de educação de Daniela, uma vizinha adolescente, órfã e grávida que vive com a avó.
Resmungão mas com bom coração, parco no verbo mas apaixonado pela palavra poética e execrando a literatura da fama mediática, sempre com pouco dinheiro mas aguentando-se no balanço de uma existência cada vez menos feita para pessoas como ele, Ramiro faz vida de bairro num bairro que se vai aburguesando, perdendo os seus cantinhos típicos e sendo invadido pelas modas (num bar gourmet, Ramiro pede um prego e recusa tapas de sushi).
Interpretado com um laconismo pachola e algo fatalista por António Mortágua, Ramiro dá o nome à quinta longa-metragem de ficção de Manuel Mozos, escrita por Telmo Churro e Mariana Ricardo, que trabalham habitualmente com Miguel Gomes. É uma comédia de uma impassibilidade, uma coloquialidade, um humor seco e uma atenção às coisas banais e importantes do quotidiano que evoca um Jim Jarmusch trocado por miúdos. Ramiro emperra e rateia aqui e ali, e falta-lhe coesão nas interpretações, mas Mozos leva, discreta, amavelmente e sem sobressaltos, a água ao seu moinho.
Por Eurico de Barros