Na sequência dos ataques terroristas do 11 de Setembro, surgiu, entre outros filmes e documentários relacionados com este trágico acontecimento, um subgénero dedicado aos prisioneiros de Guantánamo que ali se encontravam detidos apesar de alegadamente estarem inocentes. O melhor desses títulos, em geral muito explicativos e pouco eficazes do ponto de vista dramático, é o semi-documentário A Caminho de Guantánamo, de Michael Winterbottom (2006), sobre quatro jovens muçulmanos ingleses de origem paquistanesa que foram detidos no Afeganistão, e estiveram presos durante três anos em Guantánamo sem culpa formada, até enfim serem libertados.
Realizado pelo alemão Andreas Dresen e premiado no Festival de Berlim de 2022 (Melhor Actriz e Melhor Argumento), Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush é um desses filmes, e surge já muito tardiamente. É a dramatização do caso de Murat Kurnaz, um jovem turco que vivia com a família em Hamburgo e que, após se ter aparentemente radicalizado, foi detido no Paquistão com um amigo, em 2001, e levado para Guantánamo. Horrorizada, a sua mãe, Rabiye, uma extrovertida e dinâmica dona de casa (interpretada pela apresentadora de televisão e actriz turco-alemã Meltem Kaptan, muito popular na Alemanha), contratou um advogado, Bernhard Docke (Alexander Scheer), e começou a mover o céu e a terra para que o filho fosse libertado. Rabiye chegou a ir a Washington para participar em várias iniciativas com pais e mães de outros detidos em Guantánamo, acabando por pôr uma acção legal no Supremo Tribunal dos EUA em nome do filho e contra o Presidente George W. Bush.
Evitando o tom pesado e crispado habitual a este tipo de filmes, Andreas Dresen transformou Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush numa história de David contra Golias, e deu-lhe um tratamento “feel good” que nem sempre quadra com a severidade do tema. A história concentra-se em Rabiye, uma força da natureza e mãe galinha consumada. O filme extrai comédia e drama do contraste entre a lhaneza, a ingenuidade e a obstinação da personagem, e a complexidade, as intrigas, os jogos de bastidores e as zonas de sombra do mundo jurídico e político em que ela se vai meter para conseguir que o filho seja libertado, com a ajuda do seu advogado, que acaba por se tornar quase num membro da família.
Meltem Kaptan é muito boa no papel de Rabiye Kurnaz, conseguindo conquistar a simpatia do espectador e pô-lo do lado dela ao fim de cinco minutos. No entanto, o filme não deixa nunca muito claro se o filho Murat se tinha radicalizado ao ponto de se tornar perigoso, ou se tinha sido apenas ingénuo e irreflectido, e era inofensivo. Pese embora isto, Rabiye Kurnaz vs. George W. Bush não passa de um telefilme didáctico, literal e compostinho que foi promovido para cinema, e que é prejudicado pelo facto de Andreas Dresen ter posto a coexistir ligeireza e sentimentalismo, e seriedade e gravidade, corporizando-os na figura de Rabiye. E se Meltem Kaptan consegue, totalmente por mérito próprio, levar a sua avante com a personagem, já o filme em seu redor não é capaz de fazer que a bota dê com a perdigota.