Ainda nem chegaram os dez minutos e, tumba, um livro de Garcia Lorca já voou pela janela, o atirador já chamou maricas ao poeta e ao leitor, seu filho, que há-de ser médico, quer queira quer não queira, mesmo com uma mãe que fala cantando e uns amigos dados à excentricidade. O realismo do último (e segundo, em uma série de cinco previstos) filme descaradamente autobiográfico de Alejandro Jodorowsky, nestas breves cenas já titubeante, acaba definitivamente aqui. E recomeça a viagem pelo surrealismo (facção psicanalítica) do realizador chileno através da sua vida.
Ter visto A Dança da Realidade (2013) ou não é indiferente para a compreensão deste novo tomo da história do autor de El Topo e A Montanha Sagrada, obras que na longínqua década de 1970 lhe deram a fama e o proveito de um estilo próprio e peculiar que sistematicamente vem repetindo desde então. Escrevi compreensão, mas a palavra-chave para usufruir a película é mais decifração, ou talvez aceitação. A aceitação de participar num jogo onde, quando pensamos ter compreendido as regras, verificamos que elas mudaram sem acrescentar qualquer mais-valia dramática ou desportiva (facção psico). O que na verdade nem importa, pois estamos de facto perante o egocentrismo de um autor a tentar mostrar aos incréus como chegou a uma, digamos, filosofia de vida única e independente lutando contra a resignação e o preconceito. O que não deixa de ser, pronto, assim, estilo, sei lá… giro.
Por Rui Monteiro