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Um dos vários projectos que Stanley Kubrick teve mas não concretizou era uma adaptação da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. Podemos imaginar o que teria sido a epopeia do homem das arábias de Montemor-o-Velho filmada pelo realizador de 2001: Odisseia no Espaço e Laranja Mecânica: uma aventura histórica em grande escala, feita com muitos milhões de dólares, milhares de figurantes e actores conhecidos.
Mas Kubrick não filmou Peregrinação e acabou por ser um português a fazê-lo. João Botelho, que depois de A Corte do Norte, de Agustina, Livro do Desassossego, de Pessoa e Os Maias, de Eça, transformou a aventura de Fernão Mendes Pinto nos Descobrimentos num exemplo de como se pode rodar um filme de época num país sem indústria e sem dinheiro para tais andanças. Como se fosse uma série B, aproveitando ao máximo o pouco que se tem, com muita improvisação, desenrascanço e boa vontade, filmando o possível em vários dos lugares por onde Mendes Pinto passou, se deleitou, penou ou andou metido em combates e tribulações, e depois juntando tudo com o que se rodou em Portugal.
Daqui decorre que Peregrinação seja um filme visualmente parco e sem rasgos de espectacularidade, sugerindo mais do que mostrando, compouca gente, combates filmados em cantos de barcos e naufrágios acanhados, onde o realizador recorre às canções de Por Este Rio Acima, de Fausto, para explicar e fazer avançar a acção. Mesmo assim, sempre a tentar que não se vejam as costuras, Peregrinação consegue reter algo do poder dramático, da força evocativa e do ímpeto aventureiro da incrível e única narrativa de Fernão Mendes Pinto.
Por Eurico de Barros