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No seu novo filme, O Sol do Futuro, Nanni Moretti interpreta um consagrado cineasta italiano chamado Giovanni, que está a fazer um filme passado em 1956, sobre o impacto da invasão da Hungria pela URSS numa secção de Roma do Partido Comunista Italiano, tutelada por Ennio (Silvio Orlando), director do L’Unità, o jornal do partido, e também sobre o casamento deste, já que Paola (Barbora Bobulova), a sua mulher, e ao contrário dele, está contra a invasão e não vai ficar quieta. Ao mesmo tempo, Giovanni está também a pensar adaptar ao cinema o conto O Nadador, de John Cheever, e a meditar sobre um filme que nunca chegou a fazer, sobre um jovem casal na Itália dos anos 70 e 80, tendo como banda sonora as melhores e mais populares canções italianas dessas décadas.
Em O Sol do Futuro, estamos perante um catálogo dos temas de eleição e das obsessões, idiossincrasias e artifícios narrativos de Nanni Moretti: a autoficção irónica e a metatextualidade cinematográfica, o comentário da actualidade e a reflexão pela sátira sobre o estado do cinema, a crise do casal e a radiografia das convulsões e decepções da esquerda, mas tudo em tom menor e frouxo, num desconsolo muito déjà vu, distante da verve, da inventividade e do desembaraço do Moretti dos tempos de Sonhos de Ouro, Querido Diário, Abril ou O Caimão, este o seu último grande filme.
A coincidência da presença do circo húngaro em Roma apenas dá a O Sol do Futuro um ar sub-fellinesco, e há ainda o lado francamente anacrónico e irremediavelmente (para não dizer perigosamente) ingénuo da temática política relativa ao PCI, extinto em 1991, na sequência do colapso do Leste comunista. Até mesmo no final “alternativo”, em que o cinema serve de (pobre) compensação quer às implacáveis desilusões da realidade, quer às profundas frustrações ideológicas do comunista Nanni Moretti e dos nomes do cinema italiano que com ele desfilam no clímax “positivo” da fita dentro da fita (e que vão do apoio que o PCI nunca deu aos revoltosos húngaros em 1956, ao falhanço global da utopia dos “amanhãs que cantam”). E já agora, será que Moretti não sabe que o citado conto de John Cheever já foi filmado por Frank Perry em 1968, em Mergulho no Passado, com Burt Lancaster?
Se Nanni Moretti pretendia que o seu Giovanni, apesar dos defeitos conjugais e domésticos, e das teimas e tiques pessoais e profissionais (a sua produtora, Paola, interpretada por Margherita Buy, é também sua mulher, e já atingiu o limite em ambas as funções), fosse uma figura empática e divertida, não conseguiu. Mesmo tendo em conta o seu individualismo fora de moda e antes-quebrar-que-torcer, a sua fina nostalgia cinéfila, os seus elevadíssimos padrões de trabalho, estéticos e éticos (sublinhados a traço bem grosso pelo realizador) e a sua perplexidade com o rumo que o cinema está a tomar (a sequência do encontro com os executivos da Netflix é das poucas bem conseguidas do filme). Giovanni é uma personagem previsível, irritante e auto-importante a fazer-se do contrário, uma versão preguiçosamente estereotipada, parte real, parte fantasiosa, do próprio Moretti. O seu sol criativo, que outrora brilhou com muita intensidade, está hoje no ocaso.