Para desenjoar das bisarmas made in Hollywood que andam a 200 à hora, inchadas de efeitos digitais e onde se acotovelam criaturas com características especiais ou superpoderes, eis um filmezinho com personagens de carne e osso arrancadas ao real quotidiano, que se desenrola a um ritmo civilizado, é feito com um orçamento que cabia na cova de um dente de um blockbuster de super-heróis e tem “Qualidade Britânica” escrita por todo o lado. Desde o livro que adapta (O Sentido do Fim, de Julian Barnes, Prémio Booker de 2011 e traduzido em português) até à composição do elenco (Jim Broadbent, Charlotte Rampling, Emily Mortimer, etc.).
Realizado por Ritesh Batra, o autor de A Lancheira, O Sentido do Fim é um daqueles filmes sobre o qual é algo difícil falar, sob pena de estragar a história aos leitores ao revelar pormenores do enredo. Broadbent interpreta Tony Webster, um divorciado que um dia recebe correspondência relacionada com o seu passado, com os seus tempos de estudante universitário e com pessoas que fizeram parte dele e foram importantes, coincidindo com a altura em que a sua filha, mãe solteira, está para dar à luz. Esta é uma história sobre momentos esquecidos do passado que regressam para perturbar o presente, sobre segredos antigos que ficaram escondidos daqueles que nos são (ou foram) mais próximos, sobre arrependimentos que se sentem tardiamente e o sentimento de que algo ficou por concluir.
O filme é intrigante e absorvente, realizado por Batra com a minúcia, a contenção e o paciente sentido de organização narrativa que havia revelado em A Lancheira, e Broadbent tem uma interpretação modulada até à mais discreta das emoções, acompanhado de perto pelos actores de várias gerações que o rodeiam, no passado e no presente. O Sentido do Fim desilude só no final, como se quisesse deliberadamente contrariar o seu título. E se for o caso, não é uma solução consensual.
Por Eurico de Barros