O grego Yorgos Lanthimos parece querer ser coroado novo rei da bizarria cinematográfica, sobretudo depois do tão opaco como ridículo A Lagosta. Para compreender um bocadinho melhor o que Lanthimos pretende com O Sacrifício de um Cervo Sagrado, convém conhecer o mito de Ifigénia, a filha do rei Agamémnon. Este enfureceu a deusa Ártemis ao caçar um cervo numa floresta sagrada e gabar-se da proeza. A deusa exigiu-lhe então o sacrifício de Ifigénia para a aplacar e expiar o sacrilégio cometido.
Colin Farrell interpreta o equivalente contemporâneo de Agamemnon, um cirurgião plástico casado com uma oftalmologista (Nicole Kidman), da qual tem um filha adolescente e um filho mais miúdo, que se vê posto perante um dilema lancinante por um estranho rapaz (Barry Keoghan) com poderes sobrenaturais. Aparentemente, Lanthimos quer recriar a atmosfera de fatalidade pesada e inelutável da tragédia grega no seio de uma família da classe média alta dos nossos dias, e justiça lhe seja feita, há momentos de O Sacrifício de um Cervo Sagrado em que anda lá perto. Só que compromete tudo ao instalar uma solenidade pomposa (música sacra até à overdose, planos a armar à Stanley Kubrick) e uma atmosfera de ominosidade monótona e laboriosa, e ao pedir aos actores que interpretem as personagens como se estivessem sob o efeito de anestesia geral.
Por Eurico de Barros