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O quinto filme (fora formatos mais pequenos) de João Pedro Rodrigues é a história de Fernando (Paul Hamy), um estudioso de pássaros, ou ornitólogo, que depois de um acidente de barco no Douro se perde no mato e vive uma aventura excêntrica, cheia de peripécias e surpresas. Ao mesmo tempo, para quem esteja a par da biografia de Santo António, de Pádua e Lisboa, a expedição imprevista de Fernando pelo Norte profundo de Portugal começa a parecer estranhamente familiar, o que não é coincidência, até porque o filme abre com uma citação de Santo António.
Da aventura fazem parte duas peregrinas chinesas (Han Wen, Chan Suan) que se perderam no Caminho de Santiago, um pastor surdo-mudo chamado Jesus (Xelo Cagiao) e uma variedade infinita de pássaros, que têm uma presença no ecrã ao mesmo nível hierárquico das pessoas — os pássaros observam tanto quando são observados, e as imagens com o ponto de vista deles estão lá para não deixar dúvidas.
João Pedro Rodrigues e o director de fotografia Rui Poças filmam os exteriores naturais como o cenário de um western ou um filme de aventuras, e o argumento mantém o mesmo espírito, com o herói a ter de enfrentar obstáculos e sobressaltos permanentes. Filmam também Hamy como Hitchcock filmou Kim Novak em Vertigo ou Tippi Hedren em Os Pássaros — com um olhar que estremece perante a realidade concreta e física daquela criatura.
Dito de outra maneira: o espectador ideal de O Ornitólogo é alguém tolerante e mesmo hospitaleiro quando confrontado com novidades, desde que sejam inteligíveis. Alguém que tenha a robustez intelectual necessária para ser capaz de lidar com ideias e sobretudo com o que não conhece. Não pode ser um crítico, de jornal ou de bancada, que só consegue ingerir coisas novas depois de as transformar na referência ou na fórmula mais próximas. O espectador ideal de Ornitólogo pode ser cinéfilo mas não pode ter tanto respeito assim por precedentes, padrões ou carimbos, vindos de mais de um século de cinema ou de fora dele.
A essência do grande estilo, e o de João Pedro Rodrigues, neste que é o seu melhor filme, é grande estilo, é não poder ser reduzido a regras, é ser qualquer coisa que vive e respira e tem mesmo por vezes um elemento demoníaco, como acontece em O Ornitólogo. O estilo, a linguagem, a maneira de fazer é um elemento tão estrutural do realizador como o é a sua pele, e ajusta-se a ele como a pele ao resto do corpo.
Embora O Ornitólogo tenha passagens de cortar a respiração, João Pedro Rodrigues não trata a beleza como um simples criado ao serviço de ideias lógicas. Aqui, ela vem de experiências interiores e sentimentos profundos que estão fora do alcance das ideias e serão mais propriamente interpretados como intuições.
Em suma, O Ornitólogo mostra que se um realizador é capaz de pensar e depois sabe rodear-se das pessoas certas encontrará sempre as imagens para fazer passar o que quer dizer. A palavra que melhor define o estilo de João Pedro Rodrigues é inocente, por ser feito de uma maneira única, livre, de pensar visualmente — isto é, de descobrir e juntar imagens.