Algum do melhor cinema que se faz hoje é sul-coreano. E algum do melhor cinema fantástico e de terror que se faz hoje vem da Coreia do Sul. O Lamento, de Hong-jin Na, o autor do estonteante policial de acção The Chaser (2008), e de um perturbante thriller dramático, The Yellow Sea (2010), vai ficar para a posteridade do género como a resposta asiática a O Exorcista, de William Friedkin. Além disso, envergonha quase tudo aquilo que actualmente, no mundo ocidental, passa por cinema de terror sobrenatural, sobretudo aquele que sai dos Estados Unidos.
O Lamento é um filme de possessão demoníaca (com um toquezinho zombie) passado no interior da Coreia do Sul, e as forças malignas que nele operam não se limitam a atormentar uma pessoa, mas sim os habitantes de uma vila.
Hong-jin Na, que também escreveu o argumento, afeiçoa o horror às características culturais e religiosas da sociedade sul-coreana. O que nos dá direito, por exemplo, a uma elaborada cerimónia de exorcismo budista, um dos momentos altos da fita, que é simultaneamente um duelo entre as forças da luz e das trevas pela alma de uma menina, a filha do protagonista, Jong-Goo (um estupendo Do-won Kwak), um polícia um bocado trapalhão que investiga a série de crimes horrendos que estão a ocorrer na sua vila, e percebeu que têm origem sobrenatural.
Os assassínios parecem, a princípio, ser atribuíveis a cogumelos venenosos, mas Jong-Goo começa a desconfiar de um idoso japonês que apareceu recentemente na região e vive numa cabana na floresta. O filme parece ir trilhar caminhos conhecidos, mas rapidamente percebemos que Hong-jin Na vai contrariar as nossas expectativas. Apesar de O Lamento ter duas ou três sequências mais explícitas (uma das quais evoca Peter Jackson pela forma exímia como funde o horror visceral e a comédia negra), o realizador prefere a alusão arrepiante e a construção gradual de uma espessa e soturna atmosfera de medo, ajudada pelo facto da fita se passar no Inverno. E acentuada pela ambiguidade do enredo em relação à real origem do mal que se instalou na vila e também se apoderou da filhinha do polícia.
As sugestões filosófico-teológicas que Hong-jin Na insere na história não afectam o impacto do terror que veicula. Até porque o diabo oriental que anda à solta no filme se ri delas.
Por Eurico de Barros