Um chapéu de cowboy – tão simples como isso – mais um curso de dança country – o que também não é nada assim de especial – e a vida de Fúsi, o sossegado e introspectivo empregado no aeroporto que aos 43 anos ainda vive em casa da mãe, mudou. E de que maneira.
Enfim, não variou da mesma maneira que Peter Parker se transformou no Homem-Aranha, claro. Fúsi (Gunnar Jónsson, completamente exemplar no seu difícil papel) continuou a ser o mesmo homem grande e tímido e desajeitado e pouco, mesmo pouco falador que encontra a sua, digamos, paz, reconstituindo batalhas históricas.
Mas nesse aniversário, graças aquela prenda, na companhia de outros tão desajeitados como ele na arte da dança country, o solitário, em parte por necessidade em parte por curiosidade, quebra um pouco a carapaça. E embora a medo e apesar da sua quase doentia falta de iniciativa, vai aceitando, como se costuma dizer, o convívio – e os seus modestos prazeres.
Um filme capaz de recordar o sentimento de esperança e, ao mesmo tempo, os mais básicos princípios do humanismo, nos dias de hoje, desperta evidentemente desconfiança. Quanto mais não seja pelo elevado potencial de lamechice. Porém, o realizador Dagur Kári ignora a tralha sentimentalista e constrói (criando um pequeno prodígio que encantou no Festival de Berlim) a sua película sobre as dificuldades de sociabilização e a tendência para o isolamento com uma generosidade rara e a que é de todo alheia a condescendência.
Rui Monteiro