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Em 2005, a jornalista americana Jeanette Walls escreveu um livro em que contava a sua infância e juventude numa família cujos pais eram exemplos acabados de dissidentes do sistema. Demais, mesmo. A mãe, Rose Mary, era uma artista irresponsável que, entre acabar um quadro e dar de comer aos filhos esfomeados, optava pela primeira hipótese. O pai, Rex, era um sonhador alcoólico, ferozmente não-conformista e incapaz de aguentar um emprego. Jeanette, as duas irmãs e o irmão passaram anos atrás dos pais, de pardieiro em pardieiro, a fazer as necessidades num balde, com fome, frio e calor. Já adolescentes, os irmãos fugiram à miséria juntando dinheiro à socapa e saindo um a um da casa nos Apalaches onde a família tinha acabado por se instalar.
O Castelo de Vidro, cujo título se refere ao projecto de uma casa toda envidraçada que Rex queria construir para a família lá viver mas nunca foi concretizado, é uma impressionante história de resistência à adversidade no seio da própria família, e sobre o que significa ser voluntariamente pobre e desamparado nos EUA. Dela, Destin Daniel Creton, o realizador de Short Term 12 (2013), um dos bons filmes indie recentes, tirou uma fita que amacia muito os horrores vividos por Jeanette e pelos irmãos (Maureen, a mais nova, ficou a sofrer de perturbações mentais, o que é aqui escamoteado), e que não se decide entre a condenação zangada e veemente daquilo que Rex e Mary Rose infligiram aos filhos, sempre pensando que era o melhor para eles, e uma certa condescendência, em nome do espírito de família e do amor filial, que acaba por soar falsa e convencional.
Brie Larson é muito boa na Jeanette adulta, dividida entre a revolta funda e o sentimento de culpa, mas a subtilmente expressiva Ella Anderson, que a interpreta dos 9 aos 13 anos, rouba-lhe o filme.
Por Eurico de Barros