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Um país árabe em guerra, uma cidade em estado de sítio, uma família barricada em casa, num prédio de onde os restantes residentes já fugiram, num bairro onde o ruído dos combates é a banda sonora do quotidiano e os atiradores furtivos fazem fogo sobre quem se atrever a sair à rua.
Dentro do apartamento aglomera-se uma família, a empregada e um jovem casal com um bebé, vizinhos de um andar de cima que se vieram ali abrigar depois de a sua casa ter sido atingida por um morteiro. Quem mantém toda esta gente unida e a seguir as rotinas do dia-a-dia, apesar da falta de água e de luz, e do funcionamento errático até ao desespero dos telemóveis e da internet, é a dona da casa, Yazan, uma verdadeira mãe-coragem. Haja alguém que a tenha, para fazer frente aos muitos perigos que se perfilam lá for a e se podem manifestar a qualquer momento e sem que ninguém o espere.
Este filme do director de fotografia belga Philippe Van Leeuw, que já trabalhou com nomes como Bruno Dumont e Claire Simon, intitula-se Na Síria, mas podia passar-se em qualquer outro país e outra cidade em convulsão bélica, tão (deliberadamente) escassas são as referências que o realizador e argumentista deixa ao espectador.
O que interessa a Van Leeuw, também autor do argumento, não é escolher lados e fazer um filme de intervenção, de “denúncia” ou de vertente documental sobre a situação que se vive na Síria, com a câmara instalada mesmo em cima de uma actualidade em carne viva.
O que ele pretende nesta fita rodada em 25 dias num apartamento de Beirute, é mostrar e dramatizar o ponto de vista dos civis anónimos num cenário de guerra urbana. Civis esses que, de um momento para o outro, podem ser vítimas dos morteiros, das bombas nos automóveis, dos tiros dos snipers ou dos abutres humanos que, aproveitando o colapso geral, assaltam as casas e violam as mulheres.
Por isso, Na Síria, longe de ser virtuosamente político, é um filme de terror de alta tensão claustrofóbica e de medo sempre à flor da pele, mas sem o elemento sobrenatural, um thriller sem a envolvência policial, um monster movie em que o monstro tem muitas caras e um só nome: guerra.
De um elenco homogéneo onde ninguém falha uma emoção ou exagera um sobressalto, sobressai a magnífica Hiam Abbass, qual Anna Magnani do Médio Oriente, no papel de Yazan, que transporta na cara o mapa amarfanhado e detalhado de todo o sofrimento da personagem.
Por Eurico de Barros