Lucky (Harry Dean Stanton) é um nonagenário que vive numa terrinha do interior dos EUA onde toda a gente se conhece, e onde segue a mesma rotina todos os dias. Uma bela manhã, cai redondo no chão em casa. O médico diz-lhe que a causa da queda é apenas uma: a velhice. E assim, Lucky tem que se confrontar pela primeira vez com a ideia de que um dia há-de morrer. Nem Harry Dean Stanton, nem os argumentistas de Lucky, Logan Sparks e Drago Sumonja, velhos amigos dele, nem o realizador John Carroll Lynch, também ele actor e aqui a estrear-se atrás das câmaras, calculavam que Stanton iria morrer em breve e que este seria o seu último filme.
Seja como for, Lucky é uma singela, límpida e eloquente celebração de um dos maiores actores característicos americanos, cuja personagem é decalcada do próprio Harry Dean Stanton, desde a maneira de ser à visão do mundo. E é realizada por um colega que sabe como é que actores com o seu historial, o seu modo de estar na tela e o seu estatuto cinéfilo, devem e merecem ser filmados. Daí que, e apesar de a fita não chegar aos 80 minutos de duração, Lynch dê tempo ao tempo, e dê todo o tempo a Harry Dean Stanton para se revelar, calma e descontraidamente, através da personagem de Lucky, uma espécie de mestre zen do Arizona, rodeando-o de uma plêiade de secundários (Ed Begley Jr., Tom Skerritt – com quem fez Alien –, James Darren, Beth Grant, Barry Shabaka Henley ou Ron Livingston) e pondo-o a contracenar com um grande amigo, David Lynch, no papel de Howard, o homem cujo cágado de estimação chamado Presidente Roosevelt fugiu de casa. É um toque lynchiano num filme que Harry Dean Stanton nunca açambarca, embora Lucky seja todo sobre ele. E que mostra que há mais afinidades entre um ilustre actor veterano e um velho cágado do que podemos imaginar.
Por Eurico de Barros