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Terá a Pixar perdido o brilho? O despejo directo da sua mais recente animação no pacote básico do Disney+ (ou seja, nem sequer se estreou como conteúdo premium, pelos quais a plataforma de streaming exige um pagamento extra assinatura, quanto mais nas salas de cinemas) parece indiciar que a Pixar caiu do altar. Afinal, este é o estúdio que lançou Ratatui, Wall-E, Up – Altamente e Toy Story 3 no espaço de quatro – QUATRO – anos, ganhando o Óscar para Melhor Filme de Animação com todos eles. Comparando com essa corrida ao ouro, esta proposta ambientada em Itália e os filmes que a precederam, Bora Lá e Soul – Uma Aventura com Alma, compõem um trio um pouco decepcionante.
Se a estratégia de lançamento de Luca sugere falta de fé dos patrões da Disney, é com tristeza que dizemos que provavelmente se justifica. Encantador mas levezinho, Luca não é definitivamente a Pixar no pico das suas capacidades. A imagem de marca do estúdio, a ousadia, os gags acutilantes, as grandes ideias, tudo isso falta a este filme coming-of-age, uma história duvidosa com algumas arestas por limar.
Há pontos favoráveis. A animação cintila, como sempre, captando a luz do sol no Mediterrâneo e a espuma das ondas na praia com belos detalhes. O cenário da Riviera italiana traz o frescor do céu azul e do mar a esta primeira incursão da Pixar pela Europa desde Brave – Indomável, em 2012. As personagens revelam-se muito simpáticas (todas com cabelos impecáveis), e a sua história simples – de amizade, grandes sonhos e recomeços – irradia calor. E mais: abundam os pratos de massa de aparência deliciosa.
Acima de tudo, há scooters por toda a parte – Vespas, em particular – e elas assumem um papel inesperadamente central. Como Férias em Roma (atenção ao cartaz do filme de William Wyler, de 1953, é um dos clássicos Easter eggs da Pixar), Luca mostra-se realmente maravilhado com este ícone do estilo italiano.
O enredo segue Luca, um jovem monstro marinho de cor púrpura (a voz é de Jacob Tremblay), que descobre as alegrias da Vespa depois de conhecer Alberto (Jack Dylan Grazer), uma criatura do mar que é fanática por scooters. Vivem ambos nas águas de Portorosso, uma vila de gente que odeia monstros marinhos. Depois, para grande consternação dos seus ansiosos pais (Maya Rudolph e Jim Gaffigan), Luca aprende que assim que puser os pés em terra firme se transformará em humano. E tudo o que precisa para regressar à sua forma original é um salpico de água. O perigo espreita nos pingos de cada torneira.
Não tarda, Luca e Alberto estão em Portorosso: um a sonhar com a escola, o outro com uma aventura ao volante de uma Vespa (sério, é difícil exagerar no número de referências a Vespas que o filme tem). E é então que entra Giulia (Emma Berman), uma rapariga ruiva e ansiosa por encontrar ajuda para vencer a prova anual de triatlo, a Taça Portorosso (natação, massa, bicicleta – é sádico), contra um bully local (que... conduz uma scooter).
A italianidade do filme é sincera, incluindo o cartão de abertura (“Pixar presenta”) e a banda sonora com Rita Pavone, Edoardo Bennato e Puccini. Numa sequência que faz a câmara subir através das nuvens para vermos Roma de cima, o realizador Enrico Casaros homenageia o aeroplano de Da Vinci e o Pinóquio de Collodi. E, juntamente com A Pequena Sereia de Hans Christian Andersen, Pinóquio é uma referência óbvia, nomeadamente na vontade de Luca de ir à escola como um menino de verdade. As pinceladas são mais amplas noutras cenas, num filme que põe personagens a dizer coisas como: “Mamma mia! Por favor, não aceleres mais!”, ou “Assim, sim!”, entre colheradas de gelado.
Casaros também realizou La Luna, uma adorável curta-metragem da Pixar, e recupera aqui a sua gentil caracterização dos humanos. Os monstros marinhos não são tão apelativos, embora o mais feio de todos eles, o grotesco peixe-pescador que é tio de Luca, seja indiscutivelmente a personagem de destaque em todo o filme. Acabamos com vontade de ter visto mais esse velhaco translúcido, morador das profundezas e com cabeça de lanterna.
Mas o que mais claramente falta em Luca é a habitual propensão da Pixar para criar um filme em que pessoas de todas as idades se possam rever. Desde o franchise de Carros que há menos material para adultos nos filmes do estúdio, que está a concentrar-se nos espectadores mais jovens. Luca é adequado para quem anda à procura de algo pouco exigente para os filhos verem. Com a Pixar, no entanto, espera-se sempre mais.