KM 2224
DRKM 2224

Crítica

Km 224

4/5 estrelas
História de um casal lisboeta em divórcio litigioso e dos seus dois filhos pequenos, ‘Km 224’ é o melhor filme de António-Pedro Vasconcelos desde ‘Call Girl’.
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A Time Out diz

Mário e Cláudia eram um casal feliz. Quando tiveram o primeiro filho, passaram a ser uma família feliz. Mas, ao terem o segundo, as coisas começaram a correr mal, e Mário e Cláudia desentenderam-se e acabaram por se separar, deixando os dois filhos, ainda pequenos, a andarem do pai para a mãe e contribuindo mais um número para a estatística das famílias desfeitas. E como as coisas podem sempre correr pior, Cláudia iniciou um processo de divórcio litigioso, com a intenção de ficar com a guarda dos dois rapazes.

Mário (José Fidalgo) e Cláudia (Ana Varela) são os principais protagonistas de Km 224, o novo filme de António-Pedro Vasconcelos, que podia fácil e preguiçosamente ser taxado de “Kramer Contra Kramer português”, se não fossem já tantos os filmes, americanos, franceses, italianos, ingleses com o mesmo tema, e Km 224 não precisasse para nada da comparação com aquela fita de Robert Benton para andar pelos seus pés, ter vida própria e afirmar a sua individualidade dramática e cinematográfica.

Km 224 é uma daquelas histórias que muito poucos conseguem contar no cinema português como António-Pedro Vasconcelos (e é também o seu melhor filme desde Call Girl, de 2007), tirada ao real quotidiano, povoada por personagens que cruzamos nas ruas e podemos até conhecer, plenamente verosímil nos retratos humanos, nas situações, nos lugares, na forma como as pessoas se relacionam se tratam e falam umas com as outras. E esta história, que nada tem de telenoveleiro, é filmada numa cidade que nos é familiar e reconhecível, por um realizador que sabe que, se as personagens principais são importantes, as secundárias não o são menos, assim como os actores que as interpretam (ver por exemplo o senhor do táxi a que Mário recorre sempre que está aflito, ou o juiz que tem uma teoria muito plausível para explicar o facto de haver tanta gente jovem a divorciar-se).

António-Pedro Vasconcelos não escolhe lados em Km 224. Não lhe interessa fazer um filme “pró-pai” ou “pró-mãe”. O que lhe interessa, por um lado, são as crianças, que sofrem de várias maneiras com a guerra aberta entre o pai e a mãe, e a descrição das várias etapas do desfazer inexorável desta família, cujos progenitores com personalidades muito diferentes se complementavam quando estavam juntos; e agora, separados, vêem essas diferenças cavar um fosso cada vez maior entre eles. Fosso esse que ameaça transformar-se num abismo quando a mãe recebe uma tentadora oferta de trabalho em Espanha.

José Fidalgo e Ana Varela são simplesmente estupendos e robustamente credíveis como Mário e Cláudia, ele cabeça no ar, esquecido, descontraído quase até à irresponsabilidade, mas pai devotadíssimo aos filhos, ela controladora, rigorosa, a roçar o insuportável, mas dedicadíssima às crianças (e já agora, é raro ver no cinema nacional miúdos tão bem dirigidos como os pequenos Sebastião Matias e Gonçalo Menino neste filme). E depois há os papéis de segundo plano, todos eles em boas mãos: Lia Gama na mãe de Mário, Rui Morisson no veterano advogado de Cláudia, Ana Cristina Oliveira na namorada “exótico-alternativa” de Mário, ou Salvador Nery no compreensivo dono do restaurante-mercearia “hipster” amigo de Mário, todos ajudando a compor e credibilizar o quadro humano, emocional, visual e narrativo de Km 224.

A explicação do título de Km 224 só é dada por António-Pedro Vasconcelos mesmo no final da fita. E diremos apenas que além de muito bem desarrincada, faz uso do tema da Covid, e de um separador de auto-estrada com rara e feliz inventividade, preferindo deixar tudo em aberto, às convenções da conclusão feliz ou infeliz. Se querem ver bom cinema português feito por um autor que gosta e sabe contar histórias sobre pessoas como nós, e de filmar para o público, vão ver Km 224.

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