Há anos que Pedro Almodóvar anda a viver dos rendimentos reputacionais dos seus grandes filmes dos anos 80 e 90. Para sermos exactos, o último título memorável de Almodóvar já tem 14 anos – Fala com Ela, de 2002. Uma certa dívida de gratidão pelo prazer que nos deu quando estava inspirado impede-nos de enumerar todos os desastres com a sua assinatura aparecidos desde então, mas não foram poucos.
Nunca como no Almodóvar da última década foi tão claro o triunfo da esperança sobre a experiência, sempre que com optimismo e mente aberta íamos ver um novo filme dele.
A boa notícia de Julieta é que Almodóvar parece ter-se fartado de ser uma caricatura, cada vez mais em estilo palhaço triste, de Almodóvar. Almodóvar está velho e isso só lhe faz bem à saúde do filme. Pela primeira vez, já não tenta ser uma espécie de Sarita Montiel sexagenária da “movida” dos anos 80, uma ruína do antigamente com maquilhagem teatral e uma insistência infeliz, assim como ingénua, em transgressões de outros tempos, e cujo efeito se perdeu por lá.
Almodóvar porta-se finalmente de acordo com a sua idade artística – e com isso dá-nos um filme que, não sendo Almodóvar vintage, é uma pesquisa interessante de uma boa alternativa a si próprio. Uma pesquisa bem pensada e com os seus momentos, traduzida na história de duas mulheres, mãe e filha, Julieta e Antía. Uma história de amores e de rancores, no presente e em flashback.
Julieta (Emma Suárez) vai mudar-se de Madrid para Portugal com o namorado, mas um encontro imprevisto põe-na antes a pensar, e a pensar, e a pensar, na filha que não vê há anos. O resto do filme, e é a maior parte do filme, leva-nos até ao tempo da Julieta jovem mãe (agora interpretada por Adriana Ugarte), descrevendo em detalhe a construção por camadas de todo o peso biográfico que a Julieta de meia-idade carrega hoje às costas.
Fá-lo, Almodóvar, sem carnavais, com uma admirável economia melodramática e não mais, mas também não menos, do que a dose certa e necessária de lirismo e de aperto no coração. Julieta não é sempre bom, mas é melhor do que devia ser. Um Almodóvar discreto e delicado – por esta ninguém esperava.
Nuno Henrique Luz