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Esqueçam tudo. Esqueçam os nove filmes da série Halloween que foram feitos desde que em 1978 John Carpenter realizou Halloween – O Regresso do Mal original. O novo Halloween, assinado por David Gordon Green (que também meteu a mão no argumento, com Danny McBride e Jeff Fradley), com produção executiva de John Carpenter e Jamie Lee Curtis (Carpenter também compôs e executa a banda sonora, acompanhado pelo filho Cody e Daniel Davies), quer fazer tábua rasa de tudo o que o antecedeu, e ser a única e verdadeira continuação da fita-mãe. É um salto de quatro décadas para assinalar o 40º aniversário de Halloween – O Regresso do Mal. E – queremos acreditar – acabar de uma vez por todas com a série.
Nome respeitado do cinema independente norte-americano, David Gordon Green parecia ser uma boa escolha para a tarefa de dar sequência a um dos mais lendários e lucrativos filmes da história do cinema indie. E uma vez visto Halloween, podemos confirmar que a escolha foi acertada. O realizador de George Washington, Prince Avalanche e Joe soube estar à altura do espólio que lhe foi entregue, mantendo-se fiel à sua letra e ao seu espírito narrativo, estilístico, cinematográfico e aterrorizador, e evitando imitar, subverter ou transfigurar o toque de John Carpenter.
Em Halloween, reencontramos Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) mais velha, mais azeda, separada da filha e da neta, a viver no campo numa casa isolada que é uma pequena fortaleza, e armada até aos dentes, sempre na expectativa de voltar a enfrentar Michael Myers e o eliminar definitivamente.
Para a filha de Laurie, Karen (Judy Greer), que lhe chegou a ser tirada pela Segurança Social quando tinha 12 anos, a mãe exagera nas preocupações securitárias e na obsessão por Michael Myers. Para a neta, Allyson (Andi Matichak), aquilo por que a avó passou há 40 anos não faz muito sentido nesta era em que os massacres urbanos e os genocídios internacionais se banalizaram. Mas quando Michael se evade da camioneta que o transportava a um novo hospício de alta segurança, recupera a sua sinistra máscara branca e começa a deixar um rasto de cadáveres no caminho de regresso a Haddonfield, que se prepara para comemorar mais um Halloween, todos vão perceber que Laurie é que tinha razão.
Halloween é o recontro final entre ela, a sobrevivente traumatizada mas dura de roer – e agora, tanto tempo depois, mais do que nunca – do massacre das baby-sitters adolescentes em 1978, e Michael Myers, o serial killer que não diz uma palavra que seja (nem sequer dois jornalistas que têm um podcast sobre grandes crimes e criminosos, o visitam no hospício e lhe mostram a sua máscara, lhe conseguem puxar pelo verbo), e que poderá também ter também uma dimensão sobrenatural (Nick Castle volta a personificá-lo, juntamente com James Jude Courtney).
E, pergunta Halloween, pela voz do Dr. Ranbir Sartain (Haluk Bilginer), o psiquiatra do monstro, discípulo e sucessor do Dr. Loomis de Donald Pleasence: será que existe uma perversa relação simbiótica entre Laurie e Michael, que leva a que aquela não sossegue enquanto não o matar, e este não pare de a perseguir até ser morto por ela? Mas isto passa para segundo plano e acaba por ser esquecido, na noite em que tudo se vai resolver e as pontas que ficaram soltas vão finalmente ser atadas.
David Gordon Green mantém tudo a funcionar sobre rodas, sem procurar o susto fácil nem o baque gratuito e instalando um clima uniforme de tensão. Até o inevitável twist que surge a meio da história é logo anulado, e pelo próprio Michael Myers, como que dizendo que psicopata assassino ali há só um, ele e mais nenhum.
No final, o fogo envolve o Mal e devora 40 anos de recordações sinistras e atormentadoras. E ficam só mulheres de pé para contar a história da noite de Halloween em que se Laurie Strode e Michael Myers se enfrentaram pela última vez.
Por Eurico de Barros