A velha casa sombria é um dos elementos mais antigos e glosados do cinema de terror (há mesmo um filme com esse título, A Velha Casa Sombria, realizado por James Whale em 1932), assim como o mistério (ou o horror sobrenatural) que se esconde no sótão da dita. Em Graça Furiosa, filme de estreia de Paris Zarcilla (e primeiro de uma trilogia, segundo o realizador), é uma dessas velhas e grandes casas sombrias que serve de cenário à história, se bem que seja luxuosa e esteja bem conservada e servida de equipamentos domésticos modernos. O que não impede também que haja um mistério no seu sótão, devidamente arrumado a um canto, entre mobília vária coberta com os habituais lençóis brancos, para dar o devido ar fantasmagórico.
É nesta casa situada no campo inglês que entra Joy (Maxene Eigenmann), uma imigrante filipina que trabalha a limpar casas e é mãe solteira da pequena Grace (Jaeden Paige Boadilla). Joy deseja mais do que tudo conseguir um visto de residência para poder ficar em Inglaterra e arranjar uma casa onde morar com a menina. Na grande e sombria mansão vivem apenas a mulher que a contratou, Katherine Garrett (Leanne Best), e o seu tio idoso e acamado, Nigel (David Hayman). Nigel está a morrer de cancro e num estado de quase total inconsciência, sendo necessário cuidar dele com toda a atenção e medicá-lo todos os dias. Temendo não ter conseguido o emprego se tivesse dito à sua patroa que tinha uma filha, Joy meteu Grace na casa sem ela a ver. Mas as suas tentativas de a manter fechada no quarto que partilham são inúteis, porque a miúda é muito curiosa e ainda mais traquinas.
Além de assentar o enredo nos referidos elementos típicos do terror gótico, Graça Furiosa tem também componentes narrativas que Paris Zarcilla parece ter ido buscar a obras de autores do século XIX como Charles Dickens, bem como à literatura popular dessa época (e elas vão de uma conspiração familiar a um lote de cartas nunca enviadas e reveladoras), que fazem com que o filme, mais do que uma vez, e por decorrer praticamente todo no mesmo espaço fechado, pareça passar-se há 200 anos e não na nossa época. E contribuem também para a atmosfera de opressão e aprisionamento que Zarcilla vai construindo pouco a pouco, que não abranda – pelo contrário – mesmo depois da reviravolta que a história dá, causada pela alteração radical da situação de uma das personagens principais.
Dado que Paris Zarcilla quer também pronunciar-se sobre a condição dos imigrantes e as injustiças e humilhações a que alguns deles estão sujeitos, porque totalmente desprotegidos nos países a que rumaram, Graça Furiosa é uma amálgama de thriller gótico como manda a tradição e de filme social e realista ao gosto das agendas dos tempos que correm. Como sucede em muitas fitas de estreia, esta não está livre de imperfeições e de arestas por limar (sobretudo no último acto), nem de uma ou duas gaffes. Coisas que não existem nas interpretações, sobretudo na da pequena Boadilla, que leva a sua Grace aos limites da audácia (e do exasperante), nem na do veterano Hayman, tão persuasivo na pele de um avôzinho desprotegido e agradecido como na de um velho pérfido e tirânico. E como a tradição pesa bastante, no balanço final de Graça Furiosa, o “gótico” ganha ao “social”.