Era pedir muito a este Ghost in the Shell-Agente do Futuro de grande estúdio, que além de em termos de enredo de acção e de visualização de um futuro cyberpunk onde as pessoas estão ligadas às redes por interfaces neurocibernéticos e fazem ciberimplantes como trocam de camisa, estivesse também à altura da manga original de Masamune Shirow e das animações (sobretudo das duas primeiras realizadas por Mamoru Oshii) nos dilemas, reflexões e interrogações que estas põem sobre a “humanização” da inteligência artificial, e das consequências da ligação cada vez mais íntima entre os seres humanos e as máquinas, o mundo real e o mundo virtual. Era, e por isso Ghost on the Shell-Agente do Futuro não corresponde neste último e importantíssimo ponto.
Apesar de estar firmemente situado no universo Ghost in the Shell, de ser visualmente arrebatador e tecnicamente impressionante, o filme de Rupert Sanders abdica da complexidade narrativa e dos problemas lançados por aquele, para apresentar uma versão simplificada, ocidentalizada e cheia de concessões ao mínimo denominador comum do grande público, e a carburar a lugares-comuns da mais rasa sci-fi cinematográfica, onde a espectacularidade praticamente dispensa a reflexão. A major Motoko Kusanagi de Scarlett Johansson, cyborg única do seu género, dotada de um cérebro humano e de um corpo artificial, lá se debate com a sua natureza mutante e a sua identidade, mas um filme muito mais modesto e discreto que este, Ex Machina, de Alex Garland, fez melhor e foi mais longe com o mesmo tema. Ghost in the Shell-Agente do Futuro é mais um gigante com a cabeça atacada de nanismo criativo.
A história do filme, passada numa mega-urbe asiática é uma colagem de personagens, situações, elementos e ideias visuais do universo Ghost in the Shell, potenciadas pelos melhores efeitos digitais do mercado, centrando-se na personagem de Scarlett Johansson, uma cyber-super-sexy-heroína de acção que a espaços, e pela sua atonia emocional, evoca a personagem alienígena que interpretou em Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer. O tom entre o desprendido e o inquieto com que Scarlett a interpreta é o adequado para uma tal personagem, síntese (imperfeita) de humano e de máquina, embora tal como o filme em si, o invólucro seja muito mais elaborado atractivo e consistente do que o espírito que os anima. Ghost in the Shell-Agente do Futuro é menos realizado do que supervisionado por Rupert Sanders, já que nestes blockbusters cada vez mais dependentes dos computadores, o realizador está reduzido a gerir os actores e a coordenar os efeitos digitais. Um dia destes, inventam um algoritmo que o tornará obsoleto.
Por Eurico de Barros