Primeiro, houve o livro pacifista escrito em 1925 por Maurice Rostand, L’homme que j’ai tué, adaptado ao palco em 1930. Depois, em 1932, houve o filme de Ernst Lubitsch O Homem que eu Matei, fiel à ideia central da obra de Rostand: um soldado francês que combateu na I Guerra Mundial vai à Alemanha pôr flores na campa de um alemão que matou em combate, e pedir perdão à família deste.
Quase um século depois da publicação da obra de Rostand, François Ozon filmou, em França e na Alemanha, uma adaptação livre desta, e do subsequente filme de Lubitsch, Frantz, prolongando-lhe a história.
O filme começa numa vila alemã, pouco depois da I Guerra Mundial. A jovem Anna (Paula Beer), vai todos os dias pôr flores na campa do seu noivo, Frantz, morto em combate, e vive com aqueles que iriam ser os seus sogros, o bondoso casal Hoffmeister, que a tratam como se ela fosse sua filha. (Uma das qualidades de Frantz é evitar a esterotipação dos “maus” alemães e dos “bons” franceses, e captar o ambiente anímico quer do lado dos vencedores, quer do dos derrotados do conflito.)
Um dia, Anna vê um desconhecido recolher-se junto à campa de Frantz e pôr-lhe flores. É um francês, Adrien (Pierre Niney), que se apresenta como tendo sido amigo de Frantz antes da guerra, em França. Educado, culto e sensível, Adrien conta a Anna e aos Hoffmeister histórias do seu convívio com Frantz em Paris, trazendo assim algum conforto e alguma alegria ao lar enlutado, e a Anna.
De tal forma, que esta começa a ter sentimentos por ele, vendo-o como um possível substituto do noivo morto. Mas sucede que Adrien tem uma terrível confissão a fazer e, sem coragem para enfrentar os pais do desaparecido, abre o coração a Anna, que fica profundamente afectada pela revelação do francês.
No segundo tempo do filme, este já acrescentado por Ozon à história original de Maurice Rostand, Anna viaja até Paris, instada pelos Hoffmeister, para reencontrar Adrien, que nunca mais deu notícias depois de ter partido.
François Ozon inverte em Frantz o ponto de vista do livro e da peça de Rostand, e da fita de Lubitsch, que contam a história do lado da personagem masculina francesa, passando-o aqui para o da personagem feminina alemã. Apesar de feita a preto e branco, a fita tem súbitos assomos de cor, não por puro capricho ou por funcionalidade formal, mas para enfatizar picos emocionais. A ideia inicial, aliás, era rodar a cores, mas foi abandonada depois de o realizador ter visto fotos a preto e branco, tiradas na época em que a acção se passa, da cidade alemã escolhida como cenário.
Camaleão estilístico por excelência, Ozon adopta em Frantz a distância descritiva do Michael Haneke de O Laço Branco. E mostrando mais uma vez o seu gosto por personagens que são mais do que aquilo que aparentam à primeira vista e trazem consigo uma carga de ambiguidade, conta uma história que vai para além do tema original do perdão e da conciliação, transformando-a na história de um punhado de pessoas sobre as quais pesa a sombra da recordação dolorosa de um morto querido.
Um morto que as continua a assombrar, e cuja ausência pretendem compensar através de alguém que foi também próximo e querido dele.
Mantendo à distância qualquer manifestação melodramática e filmando com parcimónia de intimidades (o realizador disse que Frantz é o filme “mais casto” que já fez), Ozon faz viver a época através de uma direcção artística que se esmera nos ambientes, no guarda-roupa e nos detalhes de interiores e exteriores, sem nunca se tornar intrometida.
A escolha dos actores foi inspirada. Com a sua figurinha e um bigode à época, Pierre Niney parece saído directamente do início do século XX para o filme, e confere a Adrien toda a fragilidade física, e de carácter, que caracteriza a personagem, evitando no entanto transformá-la numa caricatura ou numa figura de ridículo.
Quanto a Paula Beer, com quem François Ozon se cruzou quando procurava uma protagonista para interpretar Romy Schneider num projecto de filme sobre a actriz quando se celebrizou a fazer de Sissi, é uma Anna formidável de reserva emocional, tocante primeiro na sua devoção à memória de Frantz, e depois na sua atracção dividida por Adrien. Também muito graças e eles, Frantz é um dos filmes mais conseguidos de Ozon.
Por Eurico de Barros