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O cinema está cheio, a abarrotar, mesmo a rebentar pelas costuras, de filmes passados nas férias de Verão e em que um rapaz (ou, por vezes, uma rapariga) pré-adolescente, ou a entrar na adolescência, sente as primeiras emoções amorosas por uma jovem da idade dele, um pouco mais velha, ou mesmo por uma rapariga consideravelmente mais crescida (como acontece naquele que é um dos clássicos absolutos deste subgénero, Verão de 42, realizado por Robert Mulligan em 1971 e interpretado por Jennifer O’Neill e Gary Grimes, e que era um dos filmes preferidos de Stanley Kubrick).
Esta história já foi contada em todos os tons, do mais trágico ao cómico, ligeiro ou rasteiro, e manifesta-se mais uma vez em Falcon Lake, o filme de estreia na realização da actriz e apresentadora de televisão canadiana Charlotte Le Bon, também autora do argumento, com François Choquet e Bastien Vives. Juntamente com o pai, a mãe e o irmão mais novo, o tímido Bastien, de 13 anos (Joseph Engel), ruma a Falcon Lake para aí passar as férias de Verão. E ficam instalados na casa à beira do lago pertencente a um casal amigo, que tem uma filha de 16 anos, Chloé (Sara Montpetit), muito saída da casca, que não fica lá muito entusiasmada com a presença de dois rapazes mais novos, um deles ainda miúdo.
É claro que Chloé, que é um alvo natural do interesse de rapazes da idade dela que também estão ali de férias, passa a monopolizar as atenções e a dominar o coração de Bastien. E ela, em vez de o desprezar, dá-lhe alguma corda, nem que seja para ter companhia para não se aborrecer e poder beber às escondidas dos pais. Além de o pôr também a beber e a fumar erva, e de o levar a festas, Chloé, que tem um lado mórbido, pede para Bastien lhe tirar fotografias em que finge estar morta no meio da floresta. E conta-lhe, e ao irmão mais novo, a história da assombração de Falcon Lake, onde terá morrido afogado um rapaz da idade de Bastien, que ali vive agora e incomoda quem quer que lá for nadar.
Aqui chegada, Charlotte Le Bon podia ter dado uma guinada no filme, transformando-o numa história sobrenatural em que o espectro do afogado entraria em cena e espalharia o terror naquele recanto calmo e idílico do Canadá. Mas a realizadora prefere – e quase mesmo até ao fim – continuar interessada na relação entre Bastien e Chloé, que há-de chegar ao contacto carnal, e manter Falcon Lake a desenvolver, com paciência, conhecimento da forma como os adolescentes funcionam uns com os outros, e um toquezinho de melancolia, a interacção entre os dois jovens, que ultrapassa a amizade mas nunca chega a ser romântica, conseguindo identificar essa zona incerta, imprecisa e difusa da transição da infância para a adolescência.
O elemento fantástico de Falcon Lake, que ficou em surdina, subterrâneo, sugerido, em quase todo o filme, manifesta-se enfim num final bruscamente trágico que decerto não agradará a todos os espectadores, por ser tão súbita como ambígua. Mas, no que diz respeito a tudo o resto desta história sobre mais um perturbador e efémero primeiro amor estival, Charlotte Le Bon deixa aqui uma boa, sóbria e sensível contribuição para um formato que é muito fácil estragar com o tom, a aproximação ou as intenções grosseiras, inadequadas e desastradas.