Além dos seus filmes de ficção, que se tornaram raros nos últimos anos, Werner Herzog tem por hábito fazer documentários sobre figuras com algum grau de loucura e que ele observa ao mesmo tempo com admiração e com perplexidade.
Aconteceu em Grizzly Man, que era sobre um homem que achava que conseguia viver com ursos, e em My Best Friend, sobre o actor Klaus Kinski, que entrou em cinco filmes de Herzog apesar de o realizador o considerar “uma peste” e ter assistido sem tristeza à sua morte. Isto para ficarmos apenas pelos títulos recentes.
Eis o Admirável Mundo em Rede usa a mesma fórmula, só que a criatura alucinada é a internet. Herzog, se nunca trata a internet como um ser vivo, não deixa por isso de a ver como capaz de um dia se transformar em qualquer coisa com inteligência e vontade próprias.
Dividido em dez capítulos, com nomes como The Early Days, The Glory of the Net e The Future, o filme começa por ser uma história linear da criação da internet mas rapidamente se transforma numa espécie de comédia negra, onde hackers, carros sem condutor, robots, viciados em jogos vídeo e a “internet das coisas” se misturam com analistas de segurança, investigadores no campo da neurologia, astrónomos e, mais prosaicamente, todo o tipo de engenheiros, e ainda algum Wagner no banda sonora.
O resultado final, com todo o seu verniz tecnológico-prospectivo, no fundo dá-nos a imagem caótica de um clássico de todos os tempos - o anúncio do enésimo futuro com visões de imortalidade. A prazo, sugere (ou, mais exactamente, ameaça) Eis o Admirável Mundo em Rede, a memória e a experiência, e aquilo que se constrói a partir delas, serão um terreno dominado pelas máquinas e pelas ligações electrónicas. Isto é, nada de novo na frente ocidental ou em qualquer outra.
Como estado da arte das fantasias do momento, o filme de Herzog é divertido e às vezes mesmo um gozo pegado. Como exercício especulativo, é igual a tantos outros. Vale pela paródia com base em factos reais e ideias fantásticas, portanto.