Se estas coisas acontecessem, David Foster Wallace com certeza dava umas voltas no túmulo ao perceber que a primeira longa-metragem de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt é inspirada nos seus ensaios Roger Federer As Religious Experience e How Tracy Austin Broke My Heart. Poupado o escritor norte-americano, sobra para os espectadores habituados às subtilezas da semiótica fruir este delírio infantil, quer dizer, infantilizado, que pretensiosamente reflecte (pois) sobre a vida depois da fama. O tipo falhou um penálti. Era a final do Mundial. Foi o seu último jogo. E o início de uma vida nova e surpreendente (seja qual for o ponto de vista) em que um craque idolatrado (sim, quem está a pensar em Cristiano Ronaldo acertou) procura um devir para a sua nova existência fora dos relvados. É aí que começa esta espécie de brincadeira, que parece criada no recreio de uma escola de cinema, onde convivem crise de refugiados e manipulação genética, cães todos felpudinhos, culto da personalidade, os Documentos do Panamá e populismo pré-fascista. E onde tudo conflui, à maneira das comédias românticas, em romance improvável e redentor.
A ironia de pacotilha dos realizadores e argumentistas, para além de fascinar burros que nunca viram um palácio, tem os seus lenitivos nas interpretações de Carloto Cotta, capaz de mostrar o ridículo da sua personagem, e nas prestações de Anabela Moreira e Margarida Moreira, ilustrando a ganância familiar com brilho. Mas três andorinhas não fazem a Primavera.
Por Rui Monteiro