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Em 1998, o musical Cats de Andrew Lloyd Webber foi filmado em palco para ser editado directamente em home video, numa produção cujo elenco incluía Elaine Paige e John Mills. Esta versão é aconselhada como paliativo a todos os admiradores do musical que vão ver o Cats de Tom Hooper ao cinema e saiam de lá profundamente perturbados.
Nos anos 90, Steven Spielberg e Lloyd Weber planearam produzir uma versão de Cats em animação, mas o projecto acabou por não dar em nada. Ora este musical baseado no livro de poemas de T.S. Eliot Old Possum’s Book of Practical Cats, publicado há 80 anos, não tem propriamente um enredo, consistindo numa série de números musicais cantados e dançados, através dos quais se faz o retrato dos vários tipos de gatos londrinos da tribo dos Jellicle, e se fala da psicologia felina. A gata Victoria, recém-chegada ao grupo, serve de fio condutor.
Devido a estas características, os formatos ideais para uma versão filmada de Cats seriam ou o registo de uma representação ao vivo como a que foi concretizada em 1998, ou uma animação.
O que Tom Hooper nos propõe neste Cats banhado em efeitos de computador é um estranho híbrido, um produto mutante, uma coisa de identidade indefinida, que fica a flutuar algures entre uma encenação convencional para o palco – actores vestidos e maquilhados para se parecerem com gatos antropomórficos – e uma animação parte “realista”, parte virtual – actores cobertos de maquilhagem digital.
O resultado é que o elenco do filme parece ter saído do laboratório de um Dr. Moreau obcecado em fabricar mutantes de humanos e gatos. Inadvertidamente, Hooper realizou um musical de ficção científica sobre experiências genéticas que correram mal.
Também não ajuda nada o facto de várias das personagens usarem roupas como as dos humanos (a Old Deuteronomy de Judi Dench surge coberta de peles, o Bustopher Jones de James Corden anda de smoking), enquanto que outras estão cobertas apenas com pele de gato gerada por computador, como é caso da Victoria de Francesca Hayward.
E já nem falo do inusitadíssimo Mr. Macavity de Idris Elba, um gato duplamente negro que se veste como um proxeneta da Nova Iorque dos anos 70. E porque é que ele tem poderes mágicos e a restante gataria não? Para onde quer que olhemos, Cats é uma acumulação de incongruências, uma sucessão de equívocos, uma colecção de inverosimilhanças, um autêntico desastre sob forma felina. Filmado por um realizador que não tem a noção do espaço, da arrumação visual ou da movimentação coreográfica e que julga que tudo se pode disfarçar com cenários estilizados e câmaras afobadas.
Só quando actores como Dench ou Ian McKellen aparecem é que Cats ganha alguma substância dramática, e as respectivas personagens uma dimensão real, para lá do artifício digital. Tal como Francesca Hayward, recrutada ao Royal Ballet, que é felinamente elegante e sexy. No que toca ao resto, ficamos mais bem servidos com desenhos animados do Garfield.
Por Eurico de Barros