Belfast
Photograph: Rob Youngson / Focus Features

Crítica

Belfast

4/5 estrelas
Em ‘Belfast’, Kenneth Branagh assina o seu melhor filme dos últimos tempos. Embora isso não o redime totalmente de alguns horrores que tem rodado.
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A Time Out diz

Quem for ver Belfast, de Kenneth Branagh, pensando que trata da violência sectária entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte nos anos 60 e 70, mais vale pedir o dinheiro do bilhete de volta. Passado em 1969 na cidade do título, em que Branagh nasceu e viveu parte da infância, o filme é feito de recordações do realizador e a contextualização político-social é só a estritamente necessária para nos situar. Belfast é um filme sobre a família e a sua força e importância, em tempos de paz como de conflito. No caso, a família do pequeno Buddy (Jude Hill), protestante e em minoria no bairro católico em que vive, e que antes do eclodir da violência é pintado por Branagh como um modelo de boa convivência.

Buddy vive com o irmão mais velho, Will (Lewis McAskie), a mãe (Caitriona Balfe) e o pai (Jamie Dornan), operário que passa grande parte do tempo a trabalhar em Inglaterra. Há ainda o avô (Ciaran Hinds) e a avó (Judi Dench), dos quais é muito próximo, e os tios e a prima, que moram mesmo ao lado. A família tem problemas de dinheiro, deve grandes somas ao fisco e o pai joga nos cavalos de vez em quando. O filme é rodado a preto e branco (cliché da representação cinematográfica das recordações do passado, que Kenneth Branagh atenua sempre que eles vão ao cinema, mostrando os filmes a cores) e visto do ponto de vista de Buddy, todo filtrado pela percepção do menino, o que, naturalmente, condiciona o impacto dos acontecimentos e a sua importância numa escala maior.

O que importa aqui é que, para Buddy, o início dos conflitos entre católicos e protestantes, e a intervenção dos militares ingleses, significa o fim da harmonia que reinava no modesto bairro, pode pôr o seu pai, um homem de bom senso, moderado e avesso à violência, numa posição delicada perante os protestantes mais fanáticos, e, pior que tudo, obrigar a família a mudar-se para Inglaterra. E assim fazê-lo deixar para trás o seu pequeno mundo: a casa, a rua, o bairro, a escola, a colega de turma de longos cabelos loiros de quem gosta, o avô e a avó, os tios e a prima mais velha, a qual ajuda um dia a roubar chocolates de uma mercearia, acabando por ficar com um pacote de Delícias Turcas de que ninguém gosta (por falar em roubos, numa das melhores sequências do filme, a mãe de Buddy obriga-o a ir repor o pacote de detergente para a roupa que ele tirou durante o saque do supermercado católico do bairro, enquanto este ainda está a decorrer!).

Apesar de todas as coisas complicadas, violentas e tristes que acontecem a Buddy e à sua volta, bem como aos familiares, Belfast mantém-se, do princípio ao fim, um filme de uma enorme doçura, que por vezes ameaça perigosamente caramelizar no mais descarado sentimentalismo, com uma ajudinha da banda sonora de Van Morrison. Uma armadilha que Branagh consegue evitar graças ao impressionismo telegráfico da realização (menos os planos gerais feitos a partir de drones, que agora parecem obrigatórios...), à sinceridade emocional que atravessa o filme, a um elenco em que cada personagem é interpretada exactamente pelo actor que ela pedia (o cinema não teve nos últimos tempos um avô e uma avó tão carismaticamente singelos e afectuosos como os de Ciarán Hinds e Judi Dench), à naturalidade e espontaneidade de Jude Hill, e ao subtil sentido da época na evocação do microcosmo do bairro, e que abrange mesmo os brinquedos de Buddy (ver a farda completa de membro dos Thunderbirds que ele recebe no Natal).

Branagh embute ainda no filme, através do destino da família de Buddy, um elogio da capacidade de resistência e superação dos compatriotas irlandeses, o que lhe confere um optimismo cada vez mais raro no cinema nos dias que correm. Com Belfast, Kenneth Branagh consegue limpar-se – se bem que não totalmente – de alguns dos horrores que assinou recentemente, como é o caso de Jack Ryan: Agente Sombra, Artemis Fowl e em especial do hediondo Morte no Nilo, em que atenta miseravelmente contra a memória de Agatha Christie e a integridade de Hercule Poirot. Que os seus próximos filmes sejam mais como Belfast, e não como estes, são os meus mais sinceros e fervorosos desejos.

Elenco e equipa

  • Realização:Kenneth Branagh
  • Argumento:Kenneth Branagh
  • Elenco:
    • Jamie Dornan
    • Caitriona Balfe
    • Ciarán Hinds
    • Judi Dench
    • Lewis McAskie
    • Jude Hill
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