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Ele é feio, repelente, mau, vigarista, cobardolas, falso, desbocado, lúbrico, inconveniente e não tem a menor noção de estilo. Ele é um demónio menor, um fantasma ou um espírito maligno, tanto faz. Beetlejuice é perigoso, indigno de confiança, infrequentável. E é também irresistível, tal como Tim Burton o criou e Michael Keaton o personificou em Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se, o clássico da comédia de terror de 1988, que deu o empurrão decisivo na carreira do realizador, após o inesperado sucesso da sua primeira longa-metragem, A Grande Aventura de Pee-Wee três anos antes, em 1985, com Paul Reubens.
Mais de 30 anos depois, Beetlejuice regressa na muito aguardada continuação do primeiro filme, Beetlejuice Beetlejuice, e agora até com mais tempo de ecrã do que em Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se. E com ele regressam várias das personagens deste. Lydia Deetz (Winona Ryder) é agora uma médium de sucesso que apresenta um popular programa de televisão em que investiga fenómenos paranormais. Lydia namora o seu agente, o oleoso e dúbio Rory (Justin Theroux), um debitador de inanidades New Age e woke. Quando o pai morre num desastre de avião no Pacífico, Lydia, a filha Astrid (Jenna Ortega) – uma adolescente rebelde, activista pelo ambiente e que não acredita no sobrenatural e tem vergonha da mãe – e a avó desta, Delia (Catherine O’Hara) – que agora é uma tão célebre como ridícula artista conceptual –, voltam a Winter River e à casa do primeiro filme, para assistirem ao funeral. E, devido às cabriolas do enredo, Beetlejuice acaba também por voltar a entrar na equação.
Ao som da música endemoninhada de Danny Elfman, Tim Burton revela-se em grande forma e filma, a mata-cavalos e em júbilo de comédia macabra e anárquica com acessos de gore paródico, Beetlejuice a tentar outra vez deitar a mão a Lydia para a eternidade enquanto foge da ex-mulher, Delores (Monica Bellucci), que matou e desmembrou à machadada quando ela o tentou envenenar para lhe sugar a alma, e que agora o persegue, depois de se conseguir reconstituir com uma pistola de agrafos; um comboio chamado Soul Train que leva as almas dos mortos aos seus vários destinos, infernais ou celestiais, enquanto se saracoteiam ao som de música disco; o funcionamento cada vez pior da burocracia pós-morte no outro mundo; ou ainda um casamento demencial em que noivos, padre e assistentes fazem playback da canção MacArthur Park, de Richard Harris.
No meio de toda esta balbúrdia no Além – e no lado de cá –, Burton cita e homenageia O Gabinete do Dr. Caligari, o cinema de Mario Bava e a série de filmes de terror de culto dos bebés monstruosos de Larry Cohen iniciada com O Monstro Está Vivo, recorre aos efeitos especiais de animação tradicionais de que sempre gostou e deixa os digitais para segundo plano, e dá pequenos papéis hilariantes a Danny DeVito (um zelador resmungão da repartição da função pública do Além) e a Willem Dafoe (um mau actor de fitas de acção quando estava vivo e um detective particular que continua a julgar que é actor – e sempre mau – depois de morto). E permanece fidelíssimo a tudo o que fez triunfar o filme original e o transformou num dos mais bem-amados pelos burtonianos ferrenhos de primeira hora.
Quanto a Michael Keaton, o que mais podemos dizer senão que continua a ser um Beetlejuice euforicamente truculento e politicamente incorrectíssimo, quer faça juras de amor repugnantes a Lydia, quer despeje as tripas – mesmo! – perante ela e o namorado, quer tiranize os funcionários do seu negócio de “bioexorcista” (Tim Burton não se esqueceu de fazer regressar também Bob, o explorador da cabeça encolhida, agora adjunto de Beetlejuice na empresa), quer toureie um Verme das Areias no meio de uma igreja devidamente vestido de matador. Como ele diz na sua primeira aparição no nosso mundo em Beetlejuice Beetlejuice, “The Juice is loose!”. E no mais espalhafatoso, desopilante e tétrico estilo.