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No início da década de 70 do século passado, a Warner Bros. tinha ganho um dinheirão ao adquirir os direitos de distribuição do documentário Woodstock, de Michael Wadleigh, e com a edição do álbum do festival.
O estúdio pensava repetir a proeza com o álbum de gospel Amazing Grace, de Aretha Franklin, gravado ao vivo em Janeiro de 1972 numa igreja de Los Angeles, e o respectivo documentário, realizado por Sydney Pollack, que à altura tinha já assinado filmes como A Flor à Beira do Pântano ou Caçadores de Escalpes, e sido nomeado para o Óscar de Melhor Realizador por Os Cavalos Também Se Abatem.
Gravado em duas noites na igreja do reverendo James Cleveland, em Watts, com a participação de alguns músicos e do Southern California Community Choir, Amazing Grace tornou-se no disco mais vendido de Aretha, e no álbum de gospel mais popular de sempre. Quanto ao filme, só seria visto quase meio século depois.
Sydney Pollack nunca tinha filmado um documentário. Depois de capturado, o som é, normalmente, sincronizado a seguir em estúdio. No final de duas noites de gravações, os montadores de Amazing Grace ficaram desesperados.
Não havia claquetes, nem quaisquer marcas ou indicações que orientassem a sincronização do som com a imagem. Pollack contratou leitores de lábios e montadores especializados, mas sem sucesso. Perante esta catástrofe técnica, a Warner decidiu arquivar o documentário.
Em 2007, o produtor Alan Elliott, depois de falar com Pollack, adquiriu as imagens, e graças às novas tecnologias digitais, conseguiu tirar uma versão síncrona do material em bruto filmado pelo autor de África Minha, com uma duração de cerca de hora e meia.
Elliott tinha previsto estrear Amazing Grace em 2011, mas foi impedido judicialmente por Aretha Franklin, que alegou que ele se tinha apropriado indevidamente da sua imagem. A cantora também bloqueou a exibição do filme em dois festivais de cinema dos EUA, em 2015, por razões que não foram tornadas públicas. Só depois da sua morte, no ano passado, é que a família de Aretha autorizou finalmente a exibição pública de Amazing Grace e Alan Elliott pôde suspirar de alívio.
Em 1972, Aretha Franklin tinha 29 anos e estava no auge da sua carreira. Amazing Grace é o registo de um dos mais extraordinários concertos de gospel de sempre, dado, apropriadamente, numa igreja baptista, e em frente a uma plateia de fãs, amigos e familiares que, para todos os efeitos, funciona como uma típica congregação, participativa e entusiástica. (Mick Jagger e Charlie Watts, que estavam a acabar de gravar Exile on Main St., podem ser vistos entre o público no segundo dia das gravações.)
Rodado num estilo muito descontraído, quase de reportagem para televisão, Amazing Grace é uma celebração das raízes musicais de Aretha Franklin (“Ela nunca deixou a igreja”, diz a certa altura o pai, o reverendo C. L. Franklin) e dos seus portentosos dotes vocais, qualquer que fosse o género de música que cantasse.
E aqui, além de espirituais e hinos clássicos, ela entoa ainda composições de Carole King (“You’ve Got a Friend”) e Marvin Gaye (“Wholy Holy”). É de ir às lágrimas de êxtase, como aliás sucede aos membros do coro quando Aretha canta Amazing Grace. O Senhor estava com ela.
Por Eurico de Barros