Dois polícias, um camião blindado cheio de presos que vão ser transferidos através de estradas isoladas, uma noite fria e escura de um Inverno cerrado, um estranho que assalta violentamente o camião, um lago gelado. É com estes poucos ingredientes que o catalão Lluíz Quílez faz a festa do thriller em Abaixo de Zero, a sua segunda realização (após Out of the Dark (2014), um filme de terror rodado na Colômbia com actores anglo-saxónicos), e que pode ser visto na Netflix.
Escrito por Quílez a meias com Fernando Navarro, um argumentista que se tem dividido entre a televisão e os filmes Abaixo de Zero é mais um bom exemplo da robustez, da variedade, da capacidade de produção e de cultivar todo o tipo de géneros, e dos meios financeiros e técnicos à disposição do cinema espanhol. O filme pode perfeitamente, em todos os aspectos, pedir meças a qualquer produção média americana, reiterando ainda a consistência do cinema que se faz na Catalunha, entre outras regiões de Espanha.
Martín (Javier Gutiérrez) é um policia que acaba de mudar de esquadra, e tem como primeira missão conduzir um transporte de reclusos que vai levar presos de uma cadeia para outra. Entre eles encontra-se o perigoso líder de um gang romeno. Estamos no pino do Inverno, faz muito frio e está nevoeiro e a viagem decorrerá de noite, por estradas secundárias que atravessam uma serra desolada. Martín tem como parceiro de viagem Montesinos (Isak Férriz), um veterano ríspido e brusco, e à frente do camião segue um carro de escolta com dois agentes.
A meio da viagem, o carro de escolta é neutralizado e o camião blindado brutalmente atacado. Martín consegue sobreviver e refugiar-se dentro da viatura, enquanto os presos se movimentam para o manietarem e tentarem escapar. Mas o ataque não foi feito por um bando para libertar o mafioso romeno, como chegam a pensar o próprio, o polícia e os outros reclusos. Lá fora está só um homem, que quer deitar a mão a um dos presos. E vai fazer tudo para obrigar o pequeno grupo aglomerado no interior do blindado a entregá-lo. Até matá-los um a um, se necessário.
Abaixo de Zero tem um enredo maneirinho com pinta de série B, personagens sucintamente caracterizados, acção compacta, tensão latejante, atmosfera claustrofóbica, desenvoltura cinematográfica e um mistério no centro. Através do qual o realizador introduz um dado humano que vai fazer a diferença e dar uma volta na história, ao serem reveladas as motivações do assaltante do blindado, Miguel (o veterano Karra Elejalde) e o porquê da sua obsessão por Nano, o jovem delinquente que fica aterrorizado ao saber quem o procura.
Entretanto, o dia começa a raiar e Lluíz Quílez tira o camião blindado, e o filme, do meio da estrada e da escuridão, rumo a um duplo clímax. Primeiro, no meio de um lago gelado, para encenar uma salvação in extremis (e a forçar os limites da credibilidade) e depois numa aldeia deserta, para o necessário confronto final, em que Martín, a certa altura, irá deixar que a sua condição de pai fale mais alto que a de polícia. Abaixo de Zero é o filme certo para ver numa noite fria e agreste, com uma manta pelos joelhos e uma bebida bem quente na mão.