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Dos muitos artistas excêntricos ingleses, Louis Wain (1860-1939) foi um dos mais excêntricos de todos. Pintor e ilustrador sobredotado (conseguia desenhar com as duas mãos ao mesmo tempo), e obcecado pelo fenómeno da electricidade, Wain era o sustento das muitas irmãs e da mãe, tendo casado com a governanta daquelas, Emily Richardson, aos 24 anos. Quando a mulher adoeceu com cancro, para a distrair, Wain começou a pintar o gato do casal, Peter, em atitudes cómicas. No Natal de 1886, a prestigiada revista Illustrated London News, em que Wade colaborava e de cujo director, Sir William Ingram, era amigo, encomendou-lhe uma ilustração de duas páginas sobre uma festa de Natal de gatos para a edição da quadra.
Em poucos dias, Louis Wain fez um desenho em que apareciam 150 felinos, cada qual com a sua expressão e atitude, o que o tornou instantaneamente famoso. Emily morreria pouco depois da publicação da revista. A partir daí, Wain não parou mais de fazer ilustrações de gatos, criando um enorme, pormenorizadíssimo, cómico e multicolorido mundo de gatos antropomorfizados, que contribuiu muito para que a Inglaterra vitoriana passasse a encarar estes animais de forma diferente, e contando entre os seus admiradores nomes como H.G. Wells e o líder do Partido Conservador e primeiro-ministro Stanley Baldwin.
Infelizmente, o jeito de Louis Wain para o negócio e a sua dedicação à causa da protecção dos animais, com os gatos à cabeça, não estavam à altura do seu imenso talento, e ele nunca tratou de garantir os direitos das suas imagens, reproduzidas em série não só em jornais e revistas como também em postais, baralhos de cartas e louça vária. Por isso, e apesar da ajuda de amigos como Sir William Ingram e de muitos admiradores, viveu sempre com dificuldades financeiras e endividado. Crescentemente afligido por problemas mentais, esteve internado numa série de clínicas a partir de 1924, morrendo numa delas, em 1939. Mas nunca deixou de pintar e, nesses anos de internamento, assinou alguns dos seus trabalhos mais originais e mesmo experimentais, caso dos célebres “Gatos Caleidoscópios”.
O filme A Vida Extraordinária de Louis Wain, de Will Sharpe, perde quase uma hora a descrever a vida familiar de Wain (interpretado na perfeição por Benedict Cumberbatch, também co-produtor) e as suas manias e excentricidades, em especial as teorias sobre a electricidade (que mais tarde aplicaria aos gatos, dizendo que, com o tempo, os tornaria a todos azuis e lhes daria o dom da fala). Mas quando finalmente Sharpe se concentra no essencial, a forma como Louis Wain construiu o seu original, delicioso e fascinante mundo artístico onde os gatos eram reis e senhores, A Vida Extraordinária de Louis Wain faz pleno jus ao talento, à personalidade, às singularidades do protagonista e à sua percepção do universo dos felinos, e regista os principais acontecimentos da sua vida, os mais felizes como os mais dolorosos.
Dir-me-ão que A Vida Extraordinária de Louis Wain é um filme biográfico perfeitamente convencional. É verdade. Mas é também verdade que, mesmo nesse registo competentemente padronizado, consegue captar e transmitir-nos a profunda, pessoalíssima, saborosíssima e desconcertante englishness de Louis Wain, cujo talento só encontrava igual na sua imensa bondade e no seu total desprendimento (a roçar o irresponsável...) das preocupações e necessidades materiais. Bem como a peculiaridade fecunda, multiforme e feliz do seu universo pictórico em que quem manda é a gataria, e é actualmente objecto de uma grande exposição em Londres, até ao próximo mês de Abril.