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Em 2018, Wim Wenders realizou Papa Francisco: Um Homem de Palavra, em que o realizador alemão teve acesso exclusivo e sem restrições ao Vaticano e ao quotidiano do Sumo Pontífice. Combinando imagens das viagens do Papa com declarações públicas deste ou proferidas para o filme, Papa Francisco: Um Homem de Sucesso é um documentário diligente, edificante, algo palavroso e completamente reverente. Além de faltar informação sobre a vida pré-papal de Francisco, o filme não apresenta um único ângulo analítico ou crítico da personalidade do biografado, e das suas opiniões e acções enquanto ocupante da cadeira de Pedro na Terra.
As diferenças entre este documentário de Wim Wenders e A Viagem do Papa Francisco, de Gianfranco Rosi, são bastantes, do ponto de vista formal, como do estilístico e das intenções. O autor de Sacro GRA tem sobre Wenders a vantagem de, nestes últimos nove anos, o Papa ter feito 37 viagens a 53 países (incluindo a locais em que Rosi situou alguns dos seus documentários, caso de Fogo no Mar – a ilha de Lampedusa sobrecarregada de migrantes clandestinos – e Nocturno – o Médio Oriente em convulsão), dispondo assim de uma grande quantidade de imagens de arquivo para selecção, que compõem a maior parte de A Viagem do Papa Francisco, sendo as restantes da autoria de Rosi.
Como é hábito nos documentários do realizador italiano, A Viagem do Papa Francisco não tem narração, e o seu tom é muito mais reservado e contido do que o de Papa Francisco: Um Homem de Palavra. Sempre que o Papa fala, é no contexto das suas deslocações (aliás, quem viu os dois documentários descobrirá que há imagens comuns a ambos e declarações repetidas), e Gianfranco Rosi procura que o Sumo Pontífice se defina para o espectador através das suas próprias palavras (e gestos), em vez de apresentar uma leitura pessoal ou de procurar opiniões alheias sobre ele. E que o espectador tire as suas conclusões daquilo que lhe é apresentado.
Rosi mostra Francisco a discursar numa favela no Rio de Janeiro e em prisões no México e no Chile; perante o Congresso dos EUA e nas Filipinas após um mortífero furacão; no Canadá a criticar o modo como os nativos foram, no passado, objecto de uma assimilação forçada em escolas católicas próprias para o efeito; a defender um bispo chileno acusado de ser um molestador sexual e a dizer que só falaria perante “provas”, e depois a desculpar-se por essa afirmação quando da resignação do mesmo; ou a não voltar atrás por ter mencionado o genocídio dos arménios pelos turcos, o que levou a um sério incidente diplomático entre o governo de Erdogan e o Vaticano.
O realizador realça ainda o discurso muito mais socializante e “liberal” deste Papa argentino do que o dos seus dois antecessores, e a sua defesa dos migrantes clandestinos (o que já levou os seus críticos a acusá-lo de encarar a Igreja Católica como uma ONG), bem como as suas críticas (feitas em termos algo simplistas) à guerra ou à indústria do armamento; e reitera os apelos de Francisco ao amor ao próximo e à empatia por este, ou ao combate à injustiça e à indiferença pelo sofrimento alheio. Deixando nas entrelinhas que, apesar da insistência do Papa nestas declarações e da emoção com que ele as investe, o mundo parece ficar na mesma, ou mesmo cada vez pior.
Mas A Viagem do Papa Francisco acaba por ser vítima do formato descritivo, recatado, reiterado e “neutro” (e também limpo de visão crítica e de contraditório) que Gianfranco Rosi escolheu. A certa altura, instala-se uma sensação de repetição que se vai tornando cada vez mais forte. Com tanto Papa a andar para lá e para cá, e por mais que simpatizemos com Francisco, com a sua interpretação do papel da Igreja Católica e com o discurso que ele faz ao mundo, isso não impede que o filme, apesar de ser relativamente curto (80 minutos), se torne reiterativo e circular – e bastante aborrecido.