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Numa biografia de Vincent Van Gogh publicada em 2011, VanGogh: The Life, Steven Naifeh e Gregory White Smith contrariaram a tese de suicídio como causa da morte do pintor.
Segundo os dois autores, Van Gogh teria sido vítima de homicídio involuntário, apresentando vários argumentos a favor desta hipótese, desde cartas do artista em que este referia o suicídio como um acto “pecaminoso” e “imoral”, até ao facto do seu material de pintura ter desaparecido no dia da tragédia que acabaria por o vitimar e nunca haver sido encontrado pela polícia. O homicida terá sido René Secretan, um jovem rufião de 16 anos de Auvers-Sur-Oise, que tinha o hábito de pregar partidas de mau gosto a Van Gogh e costumava andar armado com uma pistola, que exibia ostensivamente.
O filme de animação A Paixão de Van Gogh, da polaca Dorota Kobiela e do inglês Hugh Welchman, explora esta tese de Naifeh e Smith. E fá-lo recorrendo, por um lado, a actores de carne e osso e a tecnologia digital, e pelo outro, a mais de 100 artistas (125, no total) que pintaram a óleo e em tela, exactamente como Van Gogh trabalhava, cada um dos 65 mil fotogramas do filme. O que faz de A Paixão de Van Gogh o primeiro filme inteiramente pintado de cabo a rabo da história do cinema, unindo a animação computacional com a artesanal.
Não contentes com isto, Kobiela e Welchman deram ao filme a personalidade estilística da pintura de Van Gogh, incorporando nele várias das pessoas da vida do artista , e que ele retratou, caso do Dr. Gachet e da sua filha Marguerite, de Armand Roulin e do seu pai, bem como sítios, paisagens e gente que ele pintou, especialmente no final da vida.
Van Gogh (personificado pelo actor polaco Robert Gulaczyk) aparece sobretudo em flashbacks a preto e branco, sequências estas que parecem desenhadas a lápis ou a carvão, contrastando fortemente com as cores vivas, o pulsar, a movimentação e a cintilação intensas do resto do filme e a sua forte sugestão onírico-alucinatória. E recordando, pela identidade visual e pelo tipo de efeito procurado pela animação, obras como Waking Life (2001) ou A Scanner Darkly (2006) ambas realizadas por Richard Linklater.
A sensação deixada por A Paixão de Van Gogh é a de um enorme, elaboradíssimo, minuciosíssimo pastiche de quadros do artista sob a forma de um filme de animação, cujo cimento narrativo é o enredo detectivesco colhido do referido livro de Steven Naifeh e Gregory White Smith, conduzido pela personagem de Armand Roulin (James Booth), o filho do carteiro de Van Gogh, pouco depois deste ter morrido. (E diga-se que a tese de homicídio involuntário é muito convincente, sobretudo quando apresentada nestes termos cinematográficos).
O filme acaba, inevitavelmente (o que não sucederia se fosse uma curta), por cansar um pouco do seu tour de force técnico-estilístico e por se tornar algo exibicionista e rebuscado. Mas há que admirar o arrojo de Dorota Kobiela e de Hugh Welchman, e o virtuosismo e a paciência chinesa dos 125 artistas que deixaram aqui as suas pinceladas.
Por Eurico de Barros