O novo filme do português Sérgio Tréfaut, A Noiva, rodado no Iraque, começou por ser sobre um jovem jihadista português de origem africana que é convertido ao islamismo por extremistas paquistaneses em Londres e vai combater nas fileiras do Estado Islâmico (EI). O realizador foi colher inspiração na figura de Fábio Poças, que aspirava ser jogador de futebol como o seu ídolo, Cristiano Ronaldo, e se gabava de matar “qualquer um que lute contra o Islão” (acabou morto em combate). Ao tomar mais tarde contacto com as imagens das mulheres, viúvas e órfãos dos combatentes do EI nos campos de prisioneiros sírios e iraquianos, Tréfaut decidiu mudar o filme e centrá-lo numa dessas “noivas da Jihad” de origem ocidental.
A jovem Barbara (Joana Bernardo) é uma delas. Nascida em França mas originária da imigração portuguesa, a protagonista de A Noiva é viúva de um combatente francês do EI fuzilado pelos militares iraquianos (o filme abre com a execução do marido, e de outros como ele). Barbara tem dois filhos pequenos e está grávida de um terceiro. Encontra-se detida num precário campo de prisioneiros no Iraque, com outras mulheres como ela e várias crianças, e aguarda julgamento para saber qual será o seu destino: a morte ou o encarceramento, já que a França não aceita a deportação de “noivas da Jihad” ali nascidas.
Sérgio Tréfaut filma Barbara, deliberadamente, como um ponto de interrogação, um mistério vivo, e com secura descritiva, sem a procurar analisar ou explicar. Ela tanto ouve música pop num pequeno gravador que o pai lhe levou quando a foi visitar, e põe maquilhagem com visível satisfação perante o olhar reprovador das mulheres mais velhas, como diz a outra prisioneira, entre risos, que aprendeu a fazer bombas caseiras, e no final da fita vemos uma foto em que posa com uma pistola na mão ao lado do falecido marido, também ele armado. Quem é Barbara? Uma mulher submissa que seguiu o marido cegamente, ou foi obrigada a isso e acabou por se resignar? Uma fanática impenitente como ele? Uma ingénua iludida?
Para Tréfaut, Barbara e outras como ela apresentam-se como enigmas que nunca poderemos decifrar ou entender, que estão para lá de qualquer explicação. É um ponto de vista. Embora contestável no seu relativismo e algo ingénuo na forma como abdica de qualquer racionalização, análise e entendimento de um fenómeno destes. Em geral muito influenciáveis e fanatizáveis, com diminuta capacidade de distinguir entre o bem e o mal, inconscientes e irresponsáveis em vários graus, entre outros factores sociais e culturais que as levaram a tornar-se no que são, estas “noivas da Jihad” que voltaram as costas ao mundo em que nasceram e foram formadas (ou ficaram num contraditório meio termo entre dois mundos irreconciliáveis), e se submeteram passivamente a fanáticos assassinos, seguindo-os e admirando-os, são, na verdade, bastante mais transparentes e muito menos “misteriosas” do que A Noiva nos quer fazer acreditar.
Há realidades que, por mais que alguns queiram, não aceitam a indeterminação, a ambiguidade ou as meias tintas. E mesmo filmes correctamente feitos e sinceros nos seus propósitos, como este, não nos conseguem convencer do contrário.