James Mangold, o realizador de A Complete Unknown, não gosta que digam que o seu filme é um “biopic” de Bob Dylan. Como declarou numa entrevista à revista Vogue: “É uma forma de deitar um filme abaixo, de o desmerecer. É um termo usado de forma pejorativa para indicar uma história que vai do berço até à sepultura do biografado, com muitas participações breves de pessoas famosas, que entram e saem rapidamente. Quando as pessoas usam esse termo, querem dizer que um filme não ganhou o direito à sua própria gravidade emocional – que está a viver à conta de aparências daquilo ‘que aconteceu na realidade’ para se atribuir uma integridade de obra de arte que poderá não ter.”
Escrito pelo próprio Mangold e por Jay Cocks, e baseado no livro de 2015 Dylan Goes Electric!, de Elijah Wald, A Complete Unknown abrange cinco anos da vida e da carreira de Bob Dylan (interpretado por Timothée Chalamet), entre 1961 e 1965. A história vai da sua chegada a Nova Iorque, onde se instalou em Greenwich Village, quando era um desconhecido, até chegar à fama, ser considerado o porta-voz de uma nova geração e fazer a lendária actuação “eléctrica” no Festival de Música Folk de Newport, em que incorreu na fúria de um público purista que esperava um concerto acústico e não de rock n’roll com um grupo, e que marcou um novo ciclo na carreira de Dylan, bem como uma nova etapa na música pop/rock.
Entre os vários nomes que se cruzam com ele ou o acompanham em A Complete Unknown, e que foram importantes, pessoal, artistica ou sentimentalmente para Dylan, estão Joan Baez, Pete Seeger, Woody Guthrie, Johnny Cash (que James Mangold já biografou em Walk the Line, de 2005), Bob Neuwirth, Paul Butterfield, Dave Van Ronk ou Al Kooper.
O filme faz, assim, uma síntese desses cinco importantíssimos anos, e muito mais do que tentar “explicar”, decifrar ou analisar Bob Dylan e a sua música, ou revelar as suas influências, mostra o efeito da sua presença e das suas canções sobre os que o rodeavam, e o seu impacto no conturbadíssimo contexto socio-político do tempo (luta pelos direitos civis dos negros, Guerra Fria a escaldar com a crise dos mísseis cubanos e a ameaça de uma guerra atómica, advento do movimento da contracultura), bem como o individualismo ferrenho do músico, que sempre se esquivou a ser porta-voz, representante ou militante de uma geração, um movimento ou uma escola. Dylan nunca quis estar onde os outros pretendiam que ele estivesse, ou julgavam que ele estava, e James Mangold ilustra-o no filme, não se negando também a destacar os aspectos menos simpáticos da sua personalidade.
A época está inatacavelmente recriada, da Greenwich Village boémia e artística ao ambiente de purismo musical e engajamento político do Festival de Folk de Newport, Timothée Chalamet tem o seu melhor papel até à data como Bob Dylan, mesmo que por vezes a sua interpretação seja mais imitação do que personificação, e Edward Norton é muito bom como Pete Seeger, tal como o Johnny Cash de Boyd Holbrook é “spot on”. A Joan Baez de Monica Barbaro é já menos conseguida e Elle Fanning não tem lá muito para fazer como Sylvie Russo, aliás Suze Rotolo, a pintora e activista que foi a primeira namorada de Dylan em Nova Iorque. O filme foi oficialmente autorizado por Bob Dylan, e James Mangold teve que se reunir primeiro com Jeff Rosen, representante de longa data do músico e que é um dos produtores da fita, e depois com o próprio Dylan. O encontro, discretíssimo, foi num café de Santa Monica. Dylan pediu então ao realizador que lhe descrevesse o filme sucintamente, após o que deu a sua anuência ao projecto, tendo no entanto pedido que Suze Rotolo não fosse referida pelo nome.
Os dylanianos mais enciclopédicos notarão que A Complete Unknown toma – e necessariamente – algumas liberdades dramáticas e factuais. Mas quando James Mangold o comunicou a Bob Dylan, este disse-lhe apenas: “Who cares?”. Conhecendo Dylan, a resposta faz todo o sentido.