Desviando-se de uma fórmula tão bem engomada quanto os smokings de James Bond, Sem Tempo para Morrer despede-se de Daniel Craig com tantas surpresas que é difícil saber por onde começar. Existem decisões narrativas sem precedentes e de grande magnitude; 007 relaciona-se não com uma, mas com várias mulheres como suas iguais; e, a certa altura, até faz panquecas para uma criança.
A melhor surpresa de todas, porém, é o quão bom este filme é. Muito atrasado, sobretudo devido a uma troca na cadeira do realizador (saiu Danny Boyle saiu pata entrar Cary Fukunaga), chega finalmente aos cinemas para nos lembrar do poder que o grande ecrã exerce sobre blockbusters bem urdidos. É também o Bond mais engraçado de sempre, com uma escrita vibrante (muito possivelmente devido às contribuições de Phoebe Waller-Bridge), concretizada com desenvoltura por Craig e companhia.
A reintrodução de James Bond na abertura do filme – que envolve a praça de uma cidade, o seu Aston Martin DB5 e metade de Spectre, enquanto Bond é puxado de um devaneio romântico com Madeleine Swann (Léa Seydoux) – é uma cena icónica que limpa as teias de aranha do franchise em dez minutos esmagadores. De elegante e enamorado, Craig rapidamente está de volta à forma como o conhecemos e amamos: ferido e maltratado, a ceder ao canto da sereia do dever, enquanto a CIA e o MI6 lutam por uma nano-arma perdida.
Fukunaga e o seu director de arte, Linus Sandgren (La La Land), encontram notas de elegância visual em todo o lado. Uma sequência numa quinta de Havana pode ser a coisa menos convencional de se ver num franchise que, não nos esqueçamos, já nos deu um submarino-crocodilo e Christopher Walken. Lá, Bond e Ana de Armas deambulam pelo que parece ser um sonho de David Lynch repleto de queijo, à procura de um cientista com acesso àquele MacGuffin todo-ameaçador da humanidade.
A reforçar o elenco de personagens femininas está Nomi, a agente 00 de Lashana Lynch, que partilha uma boa anti-química com Bond, no que parece um passo significativo para as duas personagens.
E o vilão? O Safin de Rami Malek puxa os seus cordelinhos quase sempre fora de cena, mas lá consegue o seu momento num terceiro acto que vai emocionar qualquer um que anseie pelos cenários massivos da era de Ken Adam e os sonhos megalómanos de Dr No.
Se uma duração de quase três horas faz soar alarmes, este Bond é um banquete surpreendentemente light. Ele voa de um local habilmente escolhido para outro (é favor adicionar Matera, no Sul da Itália, à sua bucket list), mas as cenas mais lentas e de desenvolvimento de personagens – o calcanhar de Aquiles de alguns dos Bonds mais recentes – vêem-se muito bem também.
Só a Moneypenny de Naomie Harris é que parece errada. Depois de uma introdução dinâmica como agente de campo em Skyfall, o franchise parece não saber o que fazer com ela, com a Nomi de Lynch a ocupar a lacuna que Harris poderia ter preenchido. Até mesmo o meme residente do MI6, Tanner (Rory Kinnear), parece ter tido mais com que trabalhar.
Outros resmungos centram-se numa batalha climática que permanece mais do que devia, e uma ou duas cenas de violência desnecessariamente chocantes. Mas por quaisquer métricas usadas para medir um filme de James Bond – trama rígida, vilões nojentos, sinceridade emocional – a apresentação final de Daniel Craig é um sucesso estrondoso. #CraigNotBond parece uma realidade muito distante, em todos os sentidos.