João Morales

João Morales

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A revolução para garotos: livros para crianças (e jovens) sobre o 25 de Abril

A revolução para garotos: livros para crianças (e jovens) sobre o 25 de Abril

A famosa fotografia do menino de cabelinhos aos caracóis a pôr um cravo numa arma está muito desactualizada. Esse rapaz tem agora para cima de 40 anos. Mas para os que não chegam aos dois palmos de altura, e já estão a perguntar o que é isso da revolução dos cravos, seleccionámos mais de uma mão cheia de livros que vale a pena ler em família. Uns já são antigos, outros novinhos em folha, outros estão ali no meio, mas valem todos a pena adicionar à estante. 50 anos depois, continuamos a celebrar o 25 de Abril, esse “dia inicial inteiro e limpo”, por que tantos ansiaram e lutaram e que, hoje, urge lembrar – e proteger. Recomendado: Programas para celebrar o 25 de Abril agora, em Lisboa (e arredores)
Amadora BD: no princípio era o lápis...

Amadora BD: no princípio era o lápis...

As exposições do Amadora BD (como é vulgarmente designado o FIBDA – Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora) são famosas e um dos argumentos fortes para uma visita ao certame. A escolha da organização para o tema da exposição central bateu em cheio no período que dura o evento. A criação contemporânea brasileira de BD ocupa o principal destaque, com a segunda volta das mais polémicas eleições presidenciais de sempre a terem lugar dois dias depois de começar o maior festival de BD português. Não é de estranhar, portanto, que muitas das obras expostas, algumas até premiadas no Brasil e no estrangeiro, abordem temas sociais e políticos – a barra tá pesada! Com curadoria do próprio director do festival, Nelson Dona, e cenografia de Catarina Pé-Curto, vamos poder apreciar exemplos em várias fases de elaboração saídos das mãos de Marcello Quintanilha, Marcelo D’Salete, Spacca, Klévisson, André Diniz, João Marcos, Helô D’Angelo e Pedro Cobiaco. O autor em destaque, merecedor igualmente de uma exposição retrospectiva do seu trabalho, é o português Francisco Sousa Lobo, o vencedor do Melhor Álbum Português de Banda Desenhada de 2017, distinção obtida com Deserto/ Nuvem (Chili com Carne). A exposição foi comissariada por Tiago Baptista e conta com cenografia de Carlos Farinha.
em minúsculas. O livro inédito de Herberto Helder

em minúsculas. O livro inédito de Herberto Helder

Dificilmente adivinharia o autor: “O turista, como se sabe, é logo a seguir à galinha (de aviário ou não), o animal menos viável da criação”. Estes textos, publicados em Luanda no ano de 1971, no Notícia – Semanário Ilustrado, devolvem-nos um Herberto Helder (1930-2015) que muito poucos conhecerão (o próprio filho, Daniel Oliveira, que prefacia o livro, nunca os lera), num registo entre a reportagem e a crónica, munido de um humor espantoso e de uma verve crítica que, todavia, não apagam um certo traço poético na sua escrita. Os temas variam, vão dos sucessivos e preocupantes casos de atropelamento e fuga à labuta dos pescadores; da denúncia de uma vigarice envolvendo um negócio automóvel à displicência irresponsável de um médico; do tédio dos domingos (“os domingos são, em todo o mundo, o mais triste alimento humano”); de considerações sobre Agustina-Bessa Luís a uma fascinante conversa com Carlos do Carmo: “Cantar começou por ser uma actividade marginal. Depois, foi-se apossando progressivamente de mim. No entanto, continuo a ser um homem de negócios. Muita gente depende economicamente da minha atenção aos negócios. Não posso dedicar a minha vida toda a cantar. E talvez seja bom que assim aconteça. Porque fico livre para recusar (…) Sabe? Consigo cantar enquanto faço a barba. Isso é importante.” O título, magistral, “Vê o que fizeram da minha canção, mãe…” faz a ponte entre Lucília do Carmo e o refrão de Melanie Safka. E há ainda alguns textos, deliciosos, sobre… futebol (“
A dança da ficção segundo Cristina Norton

A dança da ficção segundo Cristina Norton

Um dos pontos que saltam à vista quando lemos estes contos é uma presença constante – apesar de discreta – que age em contraponto à designação que os agrupa. No título do livro surge a palavra vida, mas em quase todas estas narrativas o ponto fulcral é uma morte. “A vida é sempre um princípio, mas nós acabamos por morrer um bocadinho a cada dia. E o tango tem algo de sensualidade, de paixão, mas também de morte… de todas as coisas que fazem parte de uma vida vivida de forma intensa”, justifica Cristina Norton. Em quase todos estes episódios são as mulheres que decidem e tomam as rédeas dos acontecimentos, com peripécias que não escondem alguma perversidade. Veja-se, por exemplo, o conto “Menina-modelo”, com uma personagem rebelde, originária de boas famílias, que envenena a ama-seca e trama a morte das colegas. “É um lado de que gosto muito e que num romance não tem esse efeito tão forte, como se consegue transmitir num conto, num texto mais conciso. Muitas vezes gostaríamos que alguém desparecesse… da vida, do país onde vivemos, da nossa realidade. Como, e ainda bem, não somos capazes de matar, podemos matar na ficção”, reconhece a autora. Em algumas etapas há ironia (como em “O bígamo”), relatos que nasceram da realidade (“A mãe da Plaza de Mayo”), ecos de desencanto (“nesse almoço tinha armazenado felicidade e ilusões para uma semana”, in “O bambolear de Adéle”), quezílias irreparáveis (“O grão de arroz”, um dos contos mais fortes). Noutras, o destino: “Seria da aproximaçã
Bangladesh e outros contos de Eric Nepomuceno

Bangladesh e outros contos de Eric Nepomuceno

Voz pausada, sorriso franco, simpatia indiscutível, muitas milhas percorridas, histórias acumuladas e memórias para reciclar. Tradutor, jornalista, ficcionista, em 2018 perfaz 70 anos de idade. Foi uma das figuras da edição deste ano das Correntes D’Escritas, festival onde escutámos o seu linguajar solto do Rio de Janeiro. Há vários elementos comuns nestes contos, escritos num leque temporal com mais de 30 anos. Relações que terminam, gente que parte, gente que abandona e é abandonada. Há mais reencontros ou desencontros? Eu sou muito ruim para explicar as minhas coisas… este livro foi armado a partir de vários livros. Quando eu publico um livro de contos, ele é armado como se fosse um filme. E este filme é do Manuel Alberto Valente, meu editor. A minha matéria-prima é a memória. O que dispara a história, eu não sei, no dia em que souber, paro de escrever. Perderia o encanto. Eu tive vários encontros e desencontros na vida… a gente erra… e o que a gente escreve é aquilo que nós somos. Há muitos anos, Gabriel Garcia Márquez me deu uma frase de presente: “Nunca podia imaginar gostar tanto de histórias que terminam tão mal.” Ele era um defensor irredutível de histórias de amor com final feliz. No conto “Coisas da vida” a personagem Luís fala de uma coisa para não pensar noutra. Os ficcionistas são também assim? As pessoas são assim. O ser humano é assim. Muitas vezes, você desvia de assunto, como defesa de algo que é traumático, é triste, ou é aborrecido. E essa história do hos
A biblioteca de feiticeiros de J. K. Rowling

A biblioteca de feiticeiros de J. K. Rowling

Os leitores da saga de Harry Potter (e nem todos eram menores de idade) estão familiarizados com Hogwarts, a escola de magia e bruxaria onde estudava o jovem aprendiz de feiticeiro criado pela inglesa que viveu em Portugal. Pois bem, J. K. Rowling criou agora a Biblioteca de Hogwarts, expondo-nos o acervo literário desse… digamos… estabelecimento de ensino deveras peculiar. Três volumes inaugurais acabam de chegar às livrarias, editados pela Presença. O Quidditch Através dos Tempos (assinado com o pseudónimo Kennilworthy Whisp) começa com um divertido prefácio assinado por Albus Dumbledore (o director da escola) dando-nos conta das dificuldades em convencer a bibliotecária, Madame Pince, a ceder-lhe uma cópia do livro. A evolução das vassouras voadoras e a sua utilização no desporto, a génese do Quiddisdh (inicialmente praticado pelos bruxos de Queerditch), explicação de algumas regras e uma descrição da aceitação alargada desta prática são a estrutura deste livro divertido. Escrito por Newt Scamander (ou seja, mais uma identidade criada por Rowling), Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los é mais um dos livros desta peculiar biblioteca. Trata-se de um interessante bestiário, que reúne criaturas como a chimaera (com cabeça de dragão, corpo de cabra e cauda de dragão), o chizpurple (parasitas de poucos milímetros, com aspecto e caranguejo e grandes pinças) o glumbumble (insecto voador que produz melaço de melancolia induzida), o nundu (com a forma de um leopardo e considerado
Um assassino no seu labirinto, o épico em BD de Alan Moore

Um assassino no seu labirinto, o épico em BD de Alan Moore

No seu livro O que se vê da Última Fila, Neil Gaiman fala sobre o carácter obsessivo que rodeou a preparação e elaboração deste livro de Alan Moore. Quando o lemos, confirmamo-lo imediatamente, tal é a dimensão da informação, a intensidade dos ambientes (ampliada pelo cruzamentos entre temas), a diversidade de referências, a escuridão permanente que sobrevoa a narrativa e a existência das personagens. Explorando uma das teses nascidas do mistério nunca desmontado que foi a figura e as motivações de Jack, The Ripper [O Estripador] Moore navega em águas familiares e acolhe nesta obra monumental algumas das suas linhas de força. Bom, mas vamos por partes, como poderia ter dito o próprio assassino. Se o cenário vitoriano serve de pano de fundo, o esoterismo e a simbologia desempenham um papel fundamental na história. A Maçonaria (“ninguém irá ajudar o filho da viúva?”), a arquitectura (reforçando toda a simbologia da sua evolução e regras estruturais), o receio do desconhecido, as nunca completamente reveladas relações familiares, as grandes conspirações que alteraram a História, a tirania dos poderosos… tudo isto são linhas de força num livro denso que se movimenta entre o romance negro e um bem acolchoado revestimento histórico capazes de satisfazer o leitor mais exigente e espantar algum mais incauto. William Gull ansiava na infância que a sua vida fosse o mar. Não foi. “Bem, se não posso trabalhar no oceano, deveria trabalhar em algo parecido. Algo que flui como um oceano. Al
Maria Adelaide Coelho da Cunha, uma "doida" por amor

Maria Adelaide Coelho da Cunha, uma "doida" por amor

Uma conspiração que envolve a venda do DN, um mediático adultério, subornos aos mais importantes médicos portugueses. Falámos com Manuela Gonzaga, e respirámos fundo: a acção de Maria Adelaide Coelho da Cunha – Doida Não e Não, livro reeditado esta semana, passou-se há um século.   Maria Adelaide apaixona-se por Manuel Claro, que fora seu motorista. O marido consegue dá-la como louca e encarcerá-la. Ela era filha de Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, casada com Alfredo da Cunha, administrador e director do mesmo periódico. Naturalmente, fica também impedida de gerir os seus bens. Esta manobra de Alfredo da Cunha foi apenas por despeito, ou a situação económica de Maria Adelaide ajudou-o a tomar essa decisão? As duas coisas, ele tinha vontade de vender o jornal, que era dela, mas ela não estava de acordo. A partir do momento em que ela é interditada, deixa de ter qualquer palavra a dizer sobre o assunto. Por estes dias, muito se tem falado da opressão das mulheres. Achas que este é um bom exemplo de prepotência masculina? É um caso exemplar, porque não estamos a falar só da opressão do marido, mas também da Ciência da época, dos psiquiatras da época e de uma sociedade patriarcal. No hospital onde a Maria Adelaide é internada, há várias mulheres nessas circunstâncias, interditadas pelas famílias. Júlio de Matos, Egas Moniz e Sobral Cid, três dos mais celebrados nomes da psiquiatria portuguesa, deram o seu aval à suposta loucura de Maria Adelaide. Como podemos ent
'Comer Beber': o par perfeito de Filipe Melo e Juan Cavia

'Comer Beber': o par perfeito de Filipe Melo e Juan Cavia

Os vossos livros estão cada vez mais próximos do cinema – na narrativa, na apresentação dos planos, no grafismo… concordam? Filipe Melo: É muito bom que nos digas isso, porque os nossos livros surgiram como tentativas de fazer cinema, falhadas. Os dos Dog Mendonça como uma homenagem às histórias da nossa juventude; Os Vampiros, também nasceu de um argumento que andou às voltas… houve sempre impossibilidades de os fazer em cinema e tivemos de arranjar outras formas de contar a história. Este, nunca foi pensado para ser um filme. Gera-se essa contradição, quando queríamos fazer cinema era mais BD, quando pensamos em BD é mais cinema… E como não é um filme e não há banda sonora, tentamos sempre colocar música diegética, música de cena e em cena. Na primeira história há música no cabaret, na segunda passa na rádio… A ficha técnica, com toda uma equipa (com um assistente de desenho e um colorista), também acentua essa faceta cinematográfica. Juan Cavia: Eu creio que isso acontece porque, ao pensarmos em cinema, uma coisa que aprendemos é que não há forma de trabalhar sem ser em equipa. E é um modelo que se pode aplicar a muitos outros meios. Obviamente, com um custo: exige mais coordenação. Mas melhora o resultado final. É um desafio.   Se a segunda história é, notoriamente, um road movie, na primeira é impossível não pensarmos no Casablanca. FM: Completamente certo, em ambas. Nós falámos muitas vezes como a nossa juventude foi povoada pelo imaginário americano dos anos 80. Quan
Entrevista a Erling Kagge: Pode haver silêncio na era do ruído?

Entrevista a Erling Kagge: Pode haver silêncio na era do ruído?

Refere-se, no livro, ao “silêncio interior”. É algo que pode ser escutado pelos outros ou é uma coisa estritamente pessoal? Esse silêncio, interior, é um processo individual, no sentido em que o teu silêncio será diferente do de toda gente. E talvez até mesmo o teu silêncio de amanhã venha a ser diferente daquele que experimentaste hoje. É no silêncio que nos encontramos a nós mesmos. Refere também a composição 4’ 33’’, de John Cage, em que os músicos seguram nos instrumentos, sem tocarem… Penso que Cage fez essa composição, também graças ao seu sentido de humor, para apreciar as reacções de quem assiste à apresentação da peça. Mas o ponto central é que o silêncio total não existe. Talvez no Espaço, onde não existe ar. Foi modelo de uma campanha publicitária da Rolex. E escreve que o silêncio é um luxo. Também o tempo…. O tempo e o silêncio podem estar relacionados. Sim, o tempo é o maior luxo, mais do que todas as malas, casas ou automóveis que se possam comprar. O silêncio também, porque não é fácil de conseguir – as máquinas de lavar, os carros, tendem a ser mais ruidosos. Olhando desse modo, não é só um luxo, tornou-se bastante precioso, raro. Estabelece uma relação directa entre o som e ganhar dinheiro. Será o silêncio, simbolicamente, uma oposição ao capitalismo? Desde a revolução industrial, o mundo tornou-se mais barulhento. Além disso, é um sistema que vai criando novas promessas de coisas para adquirir, a indústria gira em torno disso. Vivemos numa era de ruído,
Da ficção à BD. Os melhores livros de 2017

Da ficção à BD. Os melhores livros de 2017

João Morales atira-se aos livros de autores portugueses e aos lançamentos em Banda Desenhada. José Carlos Fernandes resume o melhor da ficção e não-ficção internacional. Contas feitas, leia e releia o melhor que lemos em 2017. 
A Poesia de Mário Cesariny num só volume

A Poesia de Mário Cesariny num só volume

“Afinal o que importa não é ser novo e galante / – ele há tanta maneira de compor uma estante”, avisava em “Pastelaria”. Mário Cesariny é, indubitavelmente, o surrealista português que mais profundamente cravou o seu nome na investida portuguesa pelo movimento, fruto de uma natural sintonia entre a sua personalidade e os pressupostos estéticos desta corrente. Uma reunião de livros com a poesia de Cesariny num único volume é uma dádiva editorial a saudar efusivamente. A capacidade de recriar toda uma gramática semântica, articulando um refinado humor, a crítica a um quotidiano que o fez viver em permanente sobressalto e uma liberdade onírica traduzida em sugestivas evocações, foi conduzindo a sua poesia a um patamar de excelência que lhe é unanimemente reconhecido. A sua escrita (que provém de uma ética visceral) é herdeira de um lirismo anterior, associado à telúrica evidência de uma geração a quem coube questionar os destinos aprisionados de um país. Afinal, o Surrealismo eclode em Portugal em meados dos anos 30, com manifestações artísticas que persistem até à primeira metade dos anos 50. A realidade está sempre lá, transformada, acolhida em linguagem poética. “a velha que vende bananas/ o velho roxo de calor/ o rapaz que grita sacanas/ dêem-me um pouco de amor”; in “Discurso sobre a reabilitação do real quotidiano”. Há momentos em que a subversão (ou apropriação) visa a tradição poética antiga, actualizada com ironia: (“Ca morreu o meu amigo/ o que surrealista migo/ na esc

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"O Velho e o Mar", um clássico de Hemingway em formato gráfico

"O Velho e o Mar", um clássico de Hemingway em formato gráfico

Thierry Murat assina O Velho e o Mar, uma novela gráfica a partir do romance homónimo de Ernest Hemingway. Fizemo-nos a este mar de metáforas e a pescaria mostrou-se de feição. A primeira página, com uma imagem única, coloca-nos sabiamente no espaço e no tempo. A decrepitude do edifício e a inscrição “Viva Fidel” remetem para a Cuba de meados do século XX em que tudo se passa. Santiago é um velho pescador, idolatrado pelo jovem Manolin, que apenas quer ir com ele no barco, o que fez pela primeira vez aos cinco anos. O veterano já não tem o êxito de outrora, mas a sua perseverança permanece intacta: “é bom ter sorte. Isso é verdade. Mas, quanto a mim, ainda gosto mais de fazer o que tem de ser feito”. Um dia, sozinho, arrisca sair com o seu barco o mais longe que for possível, na senda de um peixe, um espécime que lhe mereça respeito e lhe devolva a auto-estima e o lugar na comunidade: “mas sabes, peixe, mesmo que sejas meu irmão, és de tal forma extraordinário que tenho de te matar”. Com desenhos e texto a cargo de Thierry Murat, este livro é uma adaptação livre do clássico de Ernest Hemingway (escrito justamente em Cuba, em 1951, e publicado no ano seguinte), um trabalho que acolhe diversas metáforas e permite uma leitura ampla e multifacetada. A dada altura, o livro transforma-se no relato da aventura do leão do mar (“o velho passava todas a noites na costa africana. E o rugido das ondas invadia tranquilamente os seus sonhos”) ao próprio Hemingway, que termina o livro come
Sérgio Godinho. O escritor de canções agora em BD

Sérgio Godinho. O escritor de canções agora em BD

Sérgio Godinho já fez muitas coisas. Agora é também protagonista de um livro de BD, escrito por Fernando Dordio e desenhado por Osvaldo Medina. “É sempre surpreendente ver o meu mundo criativo vertido para outras linguagens, usado em pontos de partida narrativos que quase poderiam desaguar em novas canções. Agrada-me isso, sobretudo quando o resultado é consistente em si mesmo, criativo – e autónomo. E é o caso, tanto no texto como nas ilustrações. As canções nunca são estruturas fechadas. Cantam-se, tocam-se, transformam-se. É também para isso que foram feitas.”, partilha o cantor e compositor. Entretanto, falámos com os autores de O Elixir da Eterna Juventude. O encontro foi na loja de BD da editora. Confessos admiradores da música do “escritor de canções”, perante os super-heróis nas paredes, desvendaram um pouco desta aventura.   Os autores de O Elixir da Eterna Juventude   O texto tem várias falas que funcionam como um jogo de espelhos entre extractos de letras do Sérgio, passagens que são apenas implícitas... como foi construir esse percurso? Fernando Dordio – Foi um processo longo. Eu comecei por conceber a história, apresentar a sinopse ao Sérgio, mas ele achou que estava demasiado centrado em músicas mais antigas, e pediu- -me para que fosse uma coisa mais abrangente. Nos diálogos, houve letras que entraram naturalmente – mesmo pela cena, pelo percurso da narrativa – e houve outras coisas que foram afinadas numa fase final. À medida que fiz o guião fui percebendo
Cinco razões para visitar o Amadora BD

Cinco razões para visitar o Amadora BD

A 28ª edição arranca esta sexta-feira e prolonga-se até dia 12 de Novembro no Fórum Luís de Camões. Se ainda não estiver convencido, fazemos um desenho.   Exposições exclusivas Se as exposições do Amadora BD são afamadas, as deste ano são especialmente apelativas. O português Nuno Saraiva é o desenhador em destaque e também autor do cartaz do festival deste ano. “Contar o Mundo – A reportagem em banda desenhada”, comissariada por Sara Figueiredo Costa, com cenografia de Catarina Pé-Curto, é a mostra central. Os centenários de Jack Kirby (1917-1994; Quatro Fantásticos; Os Vingadores; Thor; Hulk) e Will Eisner (1917-2005; The Spirit; Fagin, o Judeu; Um Contrato com Deus; O Nome do Jogo) são assinalados, com cenografia de Susana Vicente e Rui Horta Pereira, respectivamente.    Nuno Saraiva: 30 anos de trabalhos em retrospectiva na Amadora     Sempre jovem O título não podia ser mais adequado ao protagonista. Sérgio Godinho é o herói de O Elixir da Eterna Juventude, uma aventura escrita por Fernando Dordio, desenhada por Osvaldo Medina, e lançada pela Kingpin Books. O músico vê-se a braços com um mistério que o vai confrontar com muitas das suas próprias criações. No âmbito do Amadora BD, Nuno Saraiva criou uma capa alternativa, limitada a 500 exemplares e exclusiva das lojas Fnac e da editora. O lançamento é dia 4 de Novembro, mas o livro estará disponível desde o início do festival.     Detective canibal John Layman, argumentista das histórias de “Tony Chu, o Detective Ca
Percorra as "Cidades" dos The Lisbon Studio

Percorra as "Cidades" dos The Lisbon Studio

Um conjunto de histórias bem distintas, espelhando os registos de diversos autores. Em comum, The Lisbon Studio, um colectivo de autores.   Muralha, de Filipe Andrade     Começa da melhor forma: “O Quiosque”, de Joana Afonso, é uma história sobre oportunidades perdidas e a irreversibilidade das mudanças que protagonizamos. Ninguém volta a ser quem já foi. “Ouman, The Revenge” (João Tércio), um trabalho muito estilizado, com personagens quase conceptuais e um humor muito peculiar. “24 Horas”, de Dileidy Florez, apresenta-se como um diário gráfico, à maneira dos urban sketchers, integrando diversas homenagens a artistas plásticos portugueses. “Cid Hades” (Gonçalo Duarte) reflecte a claustrofobia metropolitana, dissimulada numa euforia quase forçada, que encenamos socialmente. “Muralha” (Filipe Andrade), parte de uma referência urbanística real, a Walled City, em Hong Kong, um bairro clandestino de dimensões consideráveis. O papagaio de papel revela-se como a metáfora possível, entre a dureza do ambiente e uma família talhada a golpes de rudeza. “O Rosto do Fantasma” (único trabalho em dupla, por Marta Teives e Pedro Moura), outro dos momentos altos deste livro, aborda um amor sofrido, uma atracção continuada, com um poema de Pedro Tamen por fio condutor e uma fluidez entre texto e desenho assinalável. A antologia encerra com “Os Muros de Terra”, narrativa fantástica de Ricardo Cabral, que conta apenas com desenhos. Como escreve Filipe Homem Fonseca no texto de introdução, “ne
Holocausto? Isso não era do meu departamento

Holocausto? Isso não era do meu departamento

Uma secretária do Ministro da Propaganda nazi afirmou até à sua morte (com 106 anos) que desconhecia a barbárie da Solução Final. Tentámos descortinar se era amnésia ou o cúmulo da distracção e demos por nós em 2017. Não deixa de ser simbólico que uma secretária de Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda do regime nazi, tenha morrido no Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, a 27 de Janeiro deste ano. Tinha 106 anos de idade. Este livro recolhe um relato escasso e despojado sobre o seu percurso e ascensão na estrutura do Estado alemão, antes e durante a II Guerra Mundial. E essa escassez de informações, emoções ou recordações também é fundamental para uma leitura ampla deste livro. Brunhilde Pomsel nasceu em 1911, filha de um decorador. Os tempos difíceis moldaram personalidades áridas: “A obediência estava integrada na vida familiar; com amor e compreensão não se conseguia grande coisa. Obedecer e algumas artimanhas, mentiras e passar a culpa para outro, tudo isso fazia parte”. O maior impacto deste livro – concebido com os depoimentos gravados em vídeo concedidos pela própria, e aqui reunidos pelo jornalista e especialista em Política Internacional Thore D. Hansen – é o constante (alegado) alheamento de Pomsel sobre tudo o que se passava. Apesar de trabalhar como secretária junto de uma das figuras gradas da hierarquia de Hitler, nada viu, nada ouviu, de nada desconfiava. Mesmo com os alertas que a cronologia maquiavélica ia deixando: “Todos pensam que s
Não seja quadrado: leia a História do Sexo em quadradinhos

Não seja quadrado: leia a História do Sexo em quadradinhos

A evolução da forma como encaramos a sexualidade está intimamente relacionada com a própria transformação das mentalidades e da organização social. Recuando ao homem das cavernas e antevendo o século que ainda agora começou, este trabalho do psiquiatra e sexólogo Philippe Brenot com a ilustradora Laetitia Coryn insere-se numa tendência cada vez mais evidente – a utilização da BD para falar sobre História, Política ou Ciência (Cosmicomix ou Democracia, são dois bons exemplos, já publicados entre nós). Logo no início, o desaparecimento do osso peniano liberta o sexo masculino. Depois, descobrimos a inventora do vibrador (Cleópatra), muitas referências mitológicas (em Roma, na Grécia, mas não só), a importância de Santo Agostinho na moral vigente, os Tribunais da Impotência (século XVI), como subterfúgio para a anulação de casamentos conveniência, as 600 concubinas de Luís XV ou a chegada do bidé aos hábitos de higiene (no Século das Luzes).   Surgem momentos e reflexões inusitadas, frutos de épocas distantes (“Amar a esposa é vergonhoso. A conduta deve ser de marido e não de amante”, proclamava Séneca) e explicações etimológicas: “o crime de Onã não é, pois, a masturbação, mas o coito interrompido, primeiro contraceptivo, cujo inventor é Onã”, de cujo nome deriva o onanismo. Referem-se figuras de rotura – como Casanova, Sade, Éom; Freud, Reich, Kingsey ou George Sand. E da próxima vez que ouvir falar sobre a beleza da Capela Sistina, explique, com malícia, que o Papa Sisto IV
Reinaldo Moraes. Uma mão cheia de contos libidinosos

Reinaldo Moraes. Uma mão cheia de contos libidinosos

"Humidade" é o novo título do autor de "Pornopopeia", onde a líbido continua à solta. João Morales dá-lhe cinco estrelas.    “É o seu pau, Horácio/– Nossa, nem parece meu./ – Não é mesmo. É da Pfeizer”, remata Maria Helena, desesperada perante um marido que lhe responde como “o sexo é uma ditadura”. Mas não vai sem resposta: “saudades da dita dura”. A líbido está presente em todos os contos deste livro de Reinaldo Moraes (também guionista e homem da rádio, que já nos tinha oferecido Pornopopeia), com muito humor e algumas críticas mordazes. Por exemplo, às catástrofes nucleares em “A Grande Sinuca Celestial” (com laivos de ficção científica pós-apocalíptica) ou a uma certa marginalidade literária, em “Privada”. Na sua maioria publicados em outros suportes, recebem na sua designação de grupo o nome de um deles, “Humidade”, a história de Mariana e Liminha (diminutivo de Lima), uma virgindade defendida para lá do compreensível – mesmo depois de matrimónio contraído. Hilariante. “Love is…” partilha connosco um fim-de-semana frustrado por um garoto insuportável; “Bijoux” é sobre um conto do vigário com duas belas moças; “Belo Horizonte” gira em torno de um nariz feminino; “Festim” coloca o leitor no centro de uma suruba quase surrealista.   São textos que cruzam sacanagem e rábula satírica, numa espécie de comédia de costumes apimentada. O melhor exemplo dessa conjugação é “História à Francesa”, escrito com um calão distintivamente barroco, sobre o casamento de uma jovem donzela
Agarrem o Pussy de Howard Jacobson

Agarrem o Pussy de Howard Jacobson

O autor criou uma oportuna sátira mordaz, não estivesse Donald Trump na cadeira da presidência dos EUA. Saem cinco estrelas para esta edição Bertrand.  Expulso do universo académico, crítico do rumo que este leva, KolsKeggur Probrius será tutor do filho do Grão-Duque de Urbs-Ludus, juntamente com a Doutora Yoni Cobalt. O jovem Príncipe Fracassus deverá ser formatado para as responsabilidades de suceder a um império da construção mas, simultaneamente, manter-se alheado de questões demasiado profundas. Não pode ver uma mulher de saias sem pretender colocar-lhe a mão no meio das pernas. Fala por expressões muito curtas. Passa o dia a ver Reality Shows. Vicia-se rapidamente no twitter. Faz amizade com o líder de outro país, que monta a cavalo em tronco nu e com quem faz combates de dedos dos pés. Acaba a querer construir um muro, apoiado pelo líder do PPC – Partido das Pessoas Comuns. Isto lembra-lhe alguém? Howard Jacobson (vencedor do Man Booker Prize, em 2010, com A Questão Finkler) escreveu em dois meses (começou no dia do anúncio da vitória) uma divertida e inteligente sátira à figura e ascensão de Donald Trump. Um livro, porém, onde cabem outras críticas, como ao delírio da tecnologia ("por cima deles, numa acumulação de monitores, era possível ver a Grã-duquesa a tirar uma selfie dela a tirar uma selfie, em triplicado"). A argumentação pode ser sinuosa, enviesada, volátil, porque «provar que temos razão nem sempre é o mesmo que estarmos moralmente certos". E Probrius sabia