Há oito anos que bitaita sobre as casas de comer de Lisboa e Porto. Escreve como um jornalista, pensa como um cliente, come como um abade. Um dia provou pangolim e sobreviveu.

Alfredo Lacerda

Alfredo Lacerda

Articles (7)

Os melhores restaurantes em Alvalade

Os melhores restaurantes em Alvalade

Há poucos bairros com a diversidade gastronómica de Alvalade. São muitos os restaurantes do mundo, da Itália ao Japão, mas o grande destaque, talvez, vá para a cozinha tradicional portuguesa – de tal forma que a grande novidade na zona é uma nova tasca antiga (a Vida de Tasca, de Leonor Godinho). Bons bitoques? Há. Cozido à Portuguesa? Só é preciso acertar no dia, mas também há. Peixe grelhado? Mais fresco é difícil. Cabidela? Até parece que estamos no Minho. Bem-vindos aos melhores restaurantes em Alvalade – só não se esqueça de reservar. Recomendado: Os melhores novos restaurantes em Lisboa (e arredores)
Os melhores restaurantes de peixe em Lisboa

Os melhores restaurantes de peixe em Lisboa

Restaurantes de peixe em Lisboa? A resposta mais imediata talvez aponte para as mesas à beira‑mar (em Cascais há várias), mas também no centro da cidade se come bom peixe fresco, na grelha ou no tacho. Seja em restaurantes em que as bancas se parecem às dos mercados, carregadas de peixes; seja nos mais tradicionais, em que o peixe também faz parte dos pratos do dia. Nestes restaurantes de peixe em Lisboa e nos arredores há boas esplanadas (algumas para comer mesmo com o pé na areia), mas acima de tudo peixe sempre fresco.  Recomendado: Os melhores restaurantes baratos em Lisboa  
Críticas da Time Out: os restaurantes que receberam mais estrelas

Críticas da Time Out: os restaurantes que receberam mais estrelas

Um ano tem 52 semanas e não há uma em que os nossos críticos gastronómicos tenham descanso, especialmente Alfredo Lacerda, incansável bom garfo, embora nem sempre fácil de agradar. Luís Monteiro juntou-se este ano a esta epopeia de visitar restaurantes anonimamente e também não fica atrás. Vale a pena lembrar, que um crítico só visita um restaurante três meses depois da sua abertura, embora nas suas visitas também estejam incluídos alguns clássicos da cidade e outros segredos. De restaurantes do mundo aos mais tradicionais, das cozinhas de chef às mesas sem cerimónias, na hora de comer só lhes interessa que seja bom e que o serviço acompanhe. Recomendado: Os melhores novos restaurantes em Lisboa (e arredores)
André Cruz. O novo chef do Feitoria vive entre a horta e as abelhas

André Cruz. O novo chef do Feitoria vive entre a horta e as abelhas

Apontado como um dos melhores chefs da sua geração, João Rodrigues despediu-se do Feitoria em Abril, sem ter conseguido a tão desejada segunda estrela Michelin, que meio mundo gastronómico afirmava merecer. André Cruz, até então o seu subchefe, foi o escolhido para a sucessão e não se pôs com meias medidas. Em poucos dias, mudou já algumas coisas e, mais importante, criou um novo menu, a que chamou Semente – há um de sete (145€) e outro de nove momentos (160€), havendo duas versões vegetarianas (100€/sete momentos, 120€/nove). Sabe da exigência que tem em mãos e dos holofotes que agora lhe apontam, mas nem por isso vacila. O trabalho, conta, é também de continuidade. O objectivo é esmiuçar ainda mais a relação com os pequenos produtores, um terreno que conhece bem. Tem 27 colmeias, uma horta biológica e criação de animais. “Jamais poderia fugir a uma coisa destas”, diz à Time Out.  Ricardo Lopes É mais fácil assumir este cargo por estar em casa?Acho que é mais difícil, sinceramente. Acabei por ficar no lugar de uma pessoa que é altamente respeitada e que, no quadro gastronómico, é muito influente. É um profissional muito exigente e isso eleva um bocadinho a bitola do cargo. E estamos a falar do Feitoria, quem vive aqui todos os dias sabe da exigência. Esperava ficar como chef executivo?Não. Foi de repente.  Como é que se recebe um desafio destes?Foi realmente muito inesperado, mas recebe-se com naturalidade. Senti como uma oportunidade e uma situação normal. Vivi bem esta s
Prémios Time Out 2021: os vencedores que nos salvaram o ano

Prémios Time Out 2021: os vencedores que nos salvaram o ano

Dickens é um escritor natalício e a ele devemos parte do nosso imaginário colectivo para a quadra. A ideia de uma família unida, feliz apesar das adversidades, é um legado seu. Mas se o convocamos para aqui não é tanto pelo contributo dado para as celebrações modernas do Natal, é mais pelo início de uma frase que inscreveu na cultura popular a caligrafia vitoriana: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos”. Ao longo deste século e meio, abundaram oportunidades para o aplicar às mais diversas situações – e 2021 é uma delas. É uma descrição rigorosamente resumida do que vivemos este ano. Começou mal, muito, muito mal, e nunca, até hoje, deixou de ser assombrado pelo espírito do Inverno passado. E no entanto melhorou. Melhorou muito. A reabertura das lojas, dos restaurantes, dos bares, das festas e dos festivais – da vida, enfim – foi num crescendo de entusiasmo e entrega que nos deu a sensação de estarmos a viver o melhor dos tempos. Como na Time Out estamos habituados a deter o olhar no lado positivo das coisas, também o faremos para este ano de experiências polarizadas. É hora de fazer o balanço e celebrar quem se destacou nas áreas que acompanhamos semana após semana, dia após dia. É hora de regressar aos Prémios Time Out, desta feita com 32 categorias. Ora então, os vencedores são…
Comefinamento: Arkhe, a sensação plant-based

Comefinamento: Arkhe, a sensação plant-based

Alejandro Chávarro é um jovem adulto facilmente reconhecível, sempre de lenço ao pescoço, como um dealer de arte com a sala cheia de gatos e um piano de cauda. Natural da Colômbia, fez carreira em salas parisienses e brilhou no L’Astrance, de Pascal Barbot, um três estrelas Michelin progressista. Desde 2017 que espalhava a palavra de pequenos produtores de vinhos franceses em restaurantes e lojas da especialidade de Lisboa, através da sua empresa Vinhos Livres. Em 2020 voltou às salas, mas driblou as expectativas. Em vez de se instalar num dos grandalhões do fine dining de Lisboa, Chávarro tornou-se co-proprietário deste pequeno restaurante de base vegetariana, na zona de Santos, antes propriedade exclusiva do chef brasileiro João Ricardo Alves. Isto importa por causa do futuro. Com Chávarro, estará o Arkhe a aproximar-se do cone de aspiração do guia francês? Reza a história que a mudança para Portugal do chefe de sala e sommelier ocorreu como num desses filmes de amor de Hollywood. Há quatro anos, foi fazer um retiro de yoga para a Índia e aí se apaixonou por uma portuguesa. Desviado para Lisboa, rapidamente foi acolhido pela comunidade local de naturebas (aficionados de vinhos naturais), em franco crescimento, mas nunca se deixou ficar agrilhoado em facções. Em Junho de 2019, na minha primeira visita ao Arkhe, comi muito bem. Comi como raramente havia comido num restaurante vegetariano em Portugal – acabando mesmo por indicar que alguns dos pratos já tinham pinta Michelin.
Comefinamento: Colher Torta, boa comida, boa onda

Comefinamento: Colher Torta, boa comida, boa onda

Por esta altura, já todos experimentámos a neura do confinamento. Vamos sobrevivendo, mas não há como evitar. Esta merda é fodida.Dizem-me amigos (que eu não sei disso) que uma das coisas mais fodidas é não foder. Está-se sempre com os filhos em cima (maior anti-coiso); ou o parceiro de pantufas perde poderes; ou fica-se assustado com o bicho nos outros – nunca se sabe se aqueles peitorais do Tinder não escondem uma insuficiência respiratória aguda e infecciosa. É tramado. Outro grande problema é a impossibilidade de viajar. Não isso de “vá para fora cá dentro”, um contrassenso. Viajar, mesmo. Sair. Fazer malas. Ultrapassar fronteiras. Ouvir línguas. Viajar, mesmo, dá-nos oxigénio, muda-nos a cabeça de assunto. De sítio. De gente. De comida. Ora, não tendo solução para nenhum dos dois constrangimentos, tenho um analgésico para o segundo. Há take-aways em Lisboa que, momentaneamente, nos podem levar até longe, mesmo que seja só por 45 minutos. Esta semana, por exemplo, quando dei por mim estava no vale de Bekáa, na região montanhosa de Zahlé, Líbano, chinelo no dedo e um calor bom para refrescar com tabbouleh. A responsável pela viagem foi a Colher Torta, que é a Ana Leão. Radicada no Porto, Ana Leão desceu a Lisboa com o segundo confinamento. Sem cozinha própria, o amigo e cozinheiro Zé Paulo Rocha ofereceu-lhe os fogões d’O Velho Eurico, tasca de rapaziada jovem já aqui elogiada, para fazer o que gosta. E ela fez. Actualizou o Instagram, pôs fotos do que ia cozinhando e mont

Listings and reviews (410)

Baraa Kitchen

Baraa Kitchen

5 out of 5 stars
Percebemos que uma cidade está a mudar quando um pequeno café de esquina em São Domingos de Benfica é tomado por uma cozinheira síria e de repente a vizinhança de professoras aposentadas e intelectuais de classe média, mas também de millennials e xennials, vão lá almoçar kufta e yalanji e beber chá de cardamomo e bolinhos de pistáchio.  O sítio era desses cafés que serviam almoços, gerido por um casal de portugueses, que decidiu arrumar as facas. O take over fez-se em paz, mas há uma guerra pelo meio. Baraa saiu da Líbia em 2017, era professora de Matemática, refugiando-se com o marido e os dois filhos em Portugal.  Por cá, a paixão pela cozinha acabou por levá-la a colaborar em eventos e a cozinhar para a Embaixada da Líbia. Já este ano, decidiu então lançar-se em nome próprio. Na cozinha está só ela e outra ajudante e, na sala, encontramos um apoio notável. Fernanda, portuguesa sexagenária, vinda de Braga para Lisboa, é quem domina o espaço, sozinha. A figura lembra-me a amiga Olga, com o seu lenço ao pescoço, mas Nanda, como é tratada carinhosamente pelos clientes, não se fica por clichés. Na verdade, Nanda domina a carta, cada ingrediente, cada técnica. E também domina a arte de bem receber. Antes de ir para o Baraa, trabalhou no Belmar, ali perto, e conhece bem os locais do bairro.  A dedicação que põe no ofício pode fazer pensar que ela é que é a sócia-maioritária – algo que trata de negar: “Não, não, eu aqui sou só empregada da senhora Baraa. Com muito gosto”. Bonito. 
Crouton

Crouton

3 out of 5 stars
Há restaurantes difíceis de definir e este é um deles. Vê-se claramente uma vocação italiana, mas não é algo que corra no sangue, será antes uma roupagem que os donos quiseram dar a provar – e que não invalida o uso de ingredientes gourmet de outras proveniências, sejam cervejas alemãs ou azeitonas gregas. O sítio existe já há uns bons anos. Lembro-me de ser célebre o seu pão de fermentação lenta, e isto numa altura em que ele era uma coisa situada nos confins de um Portugal pré-levedura industrial, ou então do outro lado do Atlântico, na padaria que deu início à febre do sourdough moderno, a influente Tartine, em São Francisco.  Eram grandes pães, feitos com uma massa mãe dessas à séria, vivas, que borbulham como lava vulcânica. Hoje em dia, ainda se faz pão na Crouton, por encomenda, mas as massas-mãe servem sobretudo para as pizzas, prato principal da casa. Num almoço recente, pudemos provar as pizzas fixas e também algumas de temporada. A maioria custa acima de 20 euros, mas há opções de pizzas em forma de menu de almoço, mais em conta, a começar nos 12 e a subir para os 16 euros.  Provou-se uma pizza de papada de porco, com rúcula e uma pasta de tomate adocicada. E uma outra marguerita, preenchida de tomatinhos deliciosos, com os queijos em fresco, postos depois da massa assada no forno.  Chegou-se pelas 13.00. Antes dos principais, houve uns acepipes simples: atum curado e laminado, alcaparras, tudo temperado de vinagre andaluz e óleo de sésamo – agradável –; uma falsa
Let's Pastrami

Let's Pastrami

4 out of 5 stars
O que é uma sandes de pastrami? Pão, uma montanha de carne curada e fumada, molhangas brancas (iogurte, maionese) e vegetais fermentados (picles, quase sempre).  Os turcos, quem primeiro terá cunhado o nome, usavam carnes de aves, mas a versão bovina actual foi difundida já pelos judeus romenos que atravessaram o Atlântico. A proposta do Let’s Pastrami, um pequeno restaurante instalado na Calçada do Combro, a 50 metros do Incógnito, inspira-se sobretudo nas sandes que os romenos começaram a servir em Nova Iorque, por volta de 1930, e que o célebre Katz Delicatessen transformaria num ícone da culinária internacional.  Fui há muitos anos ao Katz. Foi uma maravilha. O Katz vende quase sete toneladas de pastrami por semana e impressiona como conseguia ainda ter tanta qualidade. Dito isto, a sandes do Katz é diferente em quase tudo à do Let’s Pastrami, desde o corte da carne ao pão (aqui usa-se o de trigo, em forma, e não o de centeio). Li algures na Internet que por trás do negócio está um russo, o que fará sentido, visto que o prato se difundiu sobretudo entre as comunidades judaicas das ex-repúblicas soviéticas. A produção e a receita serão caseiras, cumprindo os passos todos: primeiro curar em sal, açúcar e ervas, depois fumar.  Fui lá almoçar a um dia de semana, sem reserva (não fazem). O espaço é moderno, com acrílicos futuristas e um balcão aberto à sala. Há pormenores de atelier de design, como os bancos-caixotes transparentes que servem também para guardar adereços, na ba
Koppu Ramen Izakaya

Koppu Ramen Izakaya

4 out of 5 stars
Antes de o ramen ser um conceito popular, já o Koppu o fazia. Na altura em que começou, num restaurante do Príncipe Real, havia casas japonesas que o tinham na carta, outras que o faziam ocasionalmente (lembro-me disso acontecer no saudoso Bonsai), mas o Koppu terá sido dos primeiros a apostar no prato – juntamente com o Assuka –, enquanto estrela do cardápio.  O arranque não terá sido brilhante, todavia. E sucede que, por causa disso, passei demasiados anos sem lá ir. Fiz mal. De então para cá, a sopa de massa japonesa do Koppu melhorou e, hoje, os seus caldos são tão bons quanto os melhores da cidade, o que significa que está dentro de uma meia-dúzia de vencedores.  Sim, só meia-dúzia. Neste momento, Lisboa tem dois tipos de ramen com os quais é preciso ter cuidado. Os primeiros são os ramens gourmet. Há dias, fui a um deles, supostamente dos mais delicados e artesanais, com loja no Cais do Sodré, mas na verdade o tonkotsu cheirava a porco sujo e o dito caldo custou 19 euros. Demasiado.  O outro tipo de ramens perigosos são os falsos ramen chineses. Nada contra a sopa de noodles chinesa, que pode ser bem boa e que na verdade está na origem da prima. Foram, aliás, os noodles chineses que inspiraram o ramen japonês. O ramen japonês só viria a surgir algures pela década de 1950, primeiro sob a forma de noodles instantâneos, depois sob a forma de tigelas fumegantes gourmand adoradas por foodies. Acontece que os ramens chineses bons, os que não abusam de MSG e caldo de galinha,
Restaurante Cerqueira

Restaurante Cerqueira

5 out of 5 stars
Na primeira visita, achei que tinha sido só sorte. Foi um almoço a meio da semana, o restaurante vazio, início do serviço. Tinha o cozinheiro só para mim, mais a empregada só para mim.  Mesmo assim, percebeu-se logo talento e cuidado. A abrir, veio uma língua grafada “em vinagrete” no menu, mas que me pareceu antes uma língua em picle de pimento e azeite. Oh deus, que maravilha.  A língua estava tenra, disposta como num carril de dominó tombado, afundada em azeite. E depois por cima tinha uma brunoise delicada de pimento vermelho maduro, cheio de sabor, cortado a regra e esquadro, em cubinhos, como se o Restaurante Cerqueira fosse um estrela Michelin e não uma recriação da tasca que antes pertenceu a Avelino e a Ana Cerqueira.  É isso mesmo. Estamos perante mais uma tasca que acaba. Mas aqui sem drama, sem tragédia. Sem tasca moderna a substituí-la. Porque o que a rapaziada que ocupou o lugar fez foi das coisas mais bonitas que tenho visto na restauração de Lisboa.  A história lembra o que acontece com o, agora célebre, Velho Eurico. Dois ex-clientes brasileiros, Ângelo Lellis e Aylton Viana, um dia aceitaram o convite do dono para ficarem com o lugar. E assim foi.  Na carta, mantiveram alguns dos clássicos do lugar de tasca, como o pastel de bacalhau ou o bacalhau à minhota. Mas avançaram e criaram, na verdade, algo novo que não renega o passado, algo novo que conhece o passado, que conhece o país onde está, que o respeita, que o ama, que o transforma.  E transforma bem.  O
Paloma Negra

Paloma Negra

4 out of 5 stars
Há comidas que nos deixam melancólicos: um cabrito assado no forno com grelos e batatas, por exemplo. É profundamente bom, mas eu penso nisso e apetece-me uma sesta e o som da chuva. Outras comidas lembram-me praia e sol: as sardinhas, a salada de polvo. E depois há a comida mexicana, que nos atira lá para cima. Festa, festa, festa.  Senão, vejamos. Jantar a meio da semana. Eu e o filho adolescente. O miúdo tinha estado fechado no quarto, a fazer coisas de adolescentes fechados no quarto. Estava com neura de quarto.  Eu tinha estado a tarde toda sentado a olhar para um computador, agravando a tendinite e a presbiopia, a teclar coisas de adulto no computador. Estava com neura de computador.  Os dois neuróticos forçaram-se a estar juntos. Ou antes: eu forcei-o.  Precisamos falar com os adolescentes, mesmo que eles não queiram falar connosco – e uma forma de conseguirmos isso é mentindo-lhes sobre onde ir jantar. No caso, prometi-lhe um bitoque e depois levei-o para um mexicano. “O bitoque está fechado”, atirei, no caminho.  Lá fora, choviam pregos. Noite escura de Inverno. O carro avançava pelas poças, o adolescente enxofrado, “um mexicano, aqui?!”.  Encontrámos o restaurante numa rua a descer para Santa Apolónia, não particularmente luminosa ou encantatória, mas com uma algazarra de Largo da Graça no interior.  O sítio é pequeno, senta umas 20 pessoas em mesas, mais umas cinco num balcão de parede. Folclore indie mexicano q.b., luz amarela e cumbia a tocar no aparelho de som. 
Sofi’

Sofi’

4 out of 5 stars
Quando vi aquelas bordas infladas, com o picotado preto, percebi logo que estava perante uma rodela de pão assado como deve ser, ao estilo napolitano.  As pizzas napolitanas tiveram um ligeiro revés, há meia-dúzia de anos. Com a loucura do sourdough, entre as pizzarias gastronómicas surgiu a ideia de que as únicas que valiam tinham de ser feitas só com massa-mãe e fermentações que durassem um fim-de-semana prolongado.  Mas a pizza napolitana continua a ter um charme único, nesse equilíbrio entre leveza e elasticidade – e este Sofi' é uma prova notável disso.  O restaurante é mínimo, mas muito bonito e divertido, com paredes e balcão forrado a lioz, miragem do que terá sido uma antiga tasca do Cais do Sodré, só pequenos apontamentos pós-modernos, como o tecto pintado de fresco com sereias e outras figuras marinhas, e prateleiras com garrafas vazias.  Muita coisa boa já se bebeu ali, e continua a beber, na verdade, porque os vinhos, não sendo imensos, são seleccionados, quase tudo produtores pequenos, com perfil do momento, ou seja, discípulos da intervenção mínima.  Os preços do vinho são civilizados, paguei 6€ por um copo de Domínio do Açor, branco, casta Encruzado que emparelhou bem com ambas as pizzas provadas.  Fui pelas recomendações da casa. A pizza Verdi anuncia-se com pesto de pistáchio, lâminas de curgete, beringela assada, tomate coração de boi, Grana Padano e manjericão.  Estava boa, com os sabores e texturas e ingredientes equilibrados – mas teve falhas: faltou o m
SUGOI!

SUGOI!

4 out of 5 stars
São dois mundos diferentes. O ramen requer caldos quase sempre trabalhosos, panelas borbulhantes, carcaças de frangos e ossos porcinos, noodles e chamas intensas. O sushi implica conhecimento no corte, peixe cru, limpeza extrema, empratamentos delicados.  Talvez por isto é raro encontrarmos as duas coisas juntas, ainda que ambas sejam japonesas e deliciosas. No caso das casas de ramen, o modelo mais popular faz uso de gyozas (quase sempre das comerciais, congeladas) e karage (frango frito), de entrada, e depois serve os ramen clássicos, do shio ao shoyu, passando pelo tonkotsu.  No caso das casas de sushi, por outro lado, o foco costuma estar na manipulação do peixe, que exige outro cuidado e foco. Os melhores japoneses de sushi, mesmo aqueles que querem ir a todas, na melhor das hipóteses servem um ramen ao estilo shoyu (caldo com ênfase na soja), sem grande alma, uma coisa esquecida no fim do menu e no fim do frigorífico.  Honra seja feita aos Chirashi (Alvalado e Telheiras), a marca de Miguel Bértolo que, não sendo um japonês gourmet, digamos, faz as duas coisas bem: dá garantias de cuidado com os ingredientes e boa relação preço-qualidade nos peixes crus e, ao mesmo tempo, serve um ramen shoyu simples mas delicioso.  No SUGOI!, todavia, sobe-se de escalão, quer num campo, quer no outro (e também de preço, naturalmente).  O restaurante fica no 8 Marvila, também conhecido como “aquela espécie de Lx Factory em Marvila”, onde antes viveram os armazéns Abel Pereira da Fonseca.
Brew

Brew

4 out of 5 stars
Quando soube de quem era o Brew, estranhei não ter ainda ouvido barulho sobre a nova casa do grupo Gastroco, dono das lojas Ground Burger e Crush Doughnuts. De cada vez que abrem alguma coisa, rebentam com a concorrência e isso soa de imediato por toda a Internet.  Na verdade, só sabem fazer comida boa. Mesmo que sejam conceitos importados, ficamos muitas vezes com a sensação de que a cópia é melhor do que o original. Foi assim com os hambúrgueres, o projecto inaugural, e é também um pouco o que acontece com este Brew.  Ainda que o grau de complexidade do desafio seja menor, o projecto cumpre com aquilo a que se compromete. Dar boas pizzas ao estilo New York e a maior selecção de cervejas artesanais (e industriais boas) da cidade, não estivessem também eles ao comando da distribuidora nacional One Pint.  A tónica, dir-se-ia, está mesmo nas bebidas, porque todo o espaço as coloca em destaque, seja por causa das duas dezenas de torneiras que presidem à sala do rés-do-chão (há outra, no primeiro andar), seja por causa das vitrinas de frio onde estão expostas as garrafas e as latas (500 referências, diz a comunicação oficial), seja porque é com elas que perdemos mais tempo. Há apenas quatro referências a pizzas, mas as hipóteses de escolhas entre as cervejas pode deixar-nos a olhar para o telemóvel (carta por QR Code) durante demasiado tempo. Está bem feita a classificação – das mais leves às mais complexas – e cada marca tem um textinho a explicar a origem dos lúpulos e das ferm
street

street

4 out of 5 stars
A primeira coisa que tem de perceber é que há vários “smash burger” na cidade. Como era previsível, a moda viajou dos EUA para a Europa e da Europa para este cantinho da Ibéria, com a rapidez de uma pandemia.  Daqui decorre que quando procuramos por “smash burger” – no Google Maps, por exemplo –, aparecem várias localizações e vários restaurantes.  Por erro, quando me incumbiram desta missão, fui parar a um “Smash Burger” da Rua Barão de Sabrosa, à Penha de França. Mas também podia ter ido ao engano ao “Stack Smash Burger”, da Rua Jacinta Marto, nos Anjos, ou ao restaurante com o mesmo nome na 24 de Julho.  Só depois de ter comido do “Smash Burger” da Barão de Sabrosa é que dei conta de que devia ter ido, afinal, ao “Street Smash Burger”, que tem já com duas localizações, uma no Cais do Sodré, outra em Campo de Ourique – e é o mais popular do momento.  Foi útil esse erro do destino porque pude ter melhor ponto de comparação. E devo dizer que gostei de ambos, mas gostei mais do “Smash Burger” do que do “Street Smash Burger”, não só pela carne do burger, como pelo preço, menos três euros do que o concorrente.  Em todo o caso, ficamos bem com os dois, até porque é difícil não se ficar bem com duas rodelas de carne tostada e prensada dentro de um brioche.  Falemos disso mas, primeiro, a história. Há quem diga que o smash burger nasceu num restaurante chamado Dairy Cheers, em Ashland, Kentucky, há mais de 50 anos, quando um funcionário decidiu usar uma lata de feijões para calcar
Arca Bistrô & Bar

Arca Bistrô & Bar

3 out of 5 stars
Quando lá cheguei tive a sensação de já lá ter estado. Acho que é o terceiro restaurante que conheço naquele mesmo lugar, em poucos anos. Mau augúrio?  Pareceu-me tudo remodelado, bar à entrada metido na pequena sala estreita, a cozinha também curta, separada dos clientes por vidro fosco. O espaço é bonito, com uma vibração muito Bairro Alto, mas ainda assim sem artistas e jornalistas.  (Para onde foram eles?) Tivemos de nos dobrar para passar para a nossa mesa, apertada entre a fileira de outras mesas. Cada centímetro conta no Arca, agora com mais lugares sentados.  Ao nosso lado, os únicos portugueses na casa – cheia a um dia da semana –, casal de quarentões, Asics Tiger nos pés e camisa, porventura saudosos do tempo do Bairro Alto do Frágil, como nós.  Estavam muito contentes com o seu risoto de choco em sua tinta, e também com a vazia com puré de raiz de aipo, e também com o ambiente arty e internacional da clientela, onde se misturavam surfistas franceses, eslavos com calças baggy e correntes ao pescoço e o que presumi serem jovens sofisticados de Beirute.  Nós pedimos coisas pequenas, para o arranque. Sendo os donos russos, apostámos nos picles: vieram quiabos (nunca visto) e veio couve roxa. Foi a primeira vez que comi picles de quiabos, servidos inteiros, ainda com a sua seiva: sem intensidade, sem estarem estaladiços, pouca acidez e pouco sal.  Desiludiu também a couve roxa, tristonha e simples, sem condimentos, sem nos espevitar as papilas e o espírito. Já o pão do
Café do Paço

Café do Paço

3 out of 5 stars
Continua a ser preciso tocar à campainha e depois há aquela sensação de entrarmos num british club, onde se fala baixinho e se conspira contra a República. Mas a vibração, lá dentro, terá mudado – da mesma forma que Lisboa mudou. Em tempos, o Café do Paço foi esse sítio semi-iluminado, com sofás de veludo, onde políticos, jornalistas e artistas podiam ir comer um bife à meia-noite e ficar a chupar cigarros até o fumo encrespar o cabelo.  Parte disso acabou. É verdade que me cruzei com um eminente senador do PSD e havia mais um ex-ministro na sala. Mas jornalistas e artistas nem vê-los (à excepção de mim próprio, em missão).  Quanto a políticos, ainda podem pagar bifes do lombo (25,50€), mas boa parte terá trocado a discrição decadente do restaurante no Paço da Rainha, perto do Campo Mártires da Pátria, pela exposição “da barra” do JNcQUOI, na Avenida da Liberdade.  O que mais se vê no Café do Paço, hoje em dia, é um mix de pessoas encamisadas. Tios nostálgicos em jantar de aniversário; jovens empreendedores fartos do bistrô vanguardista; estrangeiros seguidores dos “hidden gems” anunciados em guias da cidade; expatriados de Gucci ao peito.  A receita culinária do restaurante, por sua vez, mantém-se a mesma – apesar dos dois sócios que davam a cara pelo restaurante terem saído e a casa ter sido comprada, recentemente, pelo grupo Paradigma (Canalha, Ofício, Lota d’Ávila…).  Uma folha do menu conta-nos tudo, das entradas às sobremesas. Mesmo antes de a ler, os empregados já nos

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Crónica: Obrigado, cozinheiro imigrante

Crónica: Obrigado, cozinheiro imigrante

Há uns meses fui fazer uma crítica de um restaurante-bar nepalês, com música ao vivo. Reservara com três dias de antecedência, para um sábado ao jantar, mas a mulher do outro lado do telefone desconsiderou o cuidado. “Pode vir às horas que quiser.”  Apresentei-me no estabelecimento cerca das 21.00. Ao chegar, o restaurante estava vazio, só duas mesas ao fundo, turistas enganados no roteiro. Questionei a empregada e ela explicou. “Os nossos clientes habituais trabalham ao sábado à noite. O dia mais forte, aqui, é a segunda-feira.”  Os clientes do Love Lisbon, no Martim Moniz, são quase todos imigrantes cozinheiros ou trabalham nas copas dos restaurantes de Lisboa. Para os portugueses poderem festejar ao sábado, eles não podem folgar.  Francisco Romão PereiraCanalha A maioria dos imigrantes trabalha seis dias por semana, a entrar às 10.00 e a sair à meia-noite, tantas vezes a receberem o salário mínimo ou menos do que isso – em esquemas de turnos que a ASAE não vê.  São milhares deles, milhares de pessoas que estão a trabalhar quando os portugueses, os turistas e os residentes estrangeiros da Europa rica e dos EUA ocupam os restaurantes da cidade ao fim-de-semana.  Sem eles, não comíamos fora. A restauração de Lisboa fechava. E no entanto não os vemos. Não os conhecemos. Em muitos dos restaurantes de fine dining com cozinha aberta, arranjam-se esquemas para os pôr em preparações pré-serviço ou nas copas ou nas caves ou nos armazéns.  Mas sabemos que eles estão lá, no lodo, em
Comefinamento: Go Juu

Comefinamento: Go Juu

O Go Juu começou como um clube de sushi para saudosos de Takashi Yoshitake e do seu Aya, restaurante de que é orgulhoso herdeiro no menu e na escola. Mas, em dias fracos, deixavam os ignaros que não haviam sido tocados pelos niguiris do mestre lá ir respigar o chutoro, eventualmente num lugar ao balcão à terça-feira, afortunadamente numa desistência ao fim-de-semana. Fui lá algumas vezes, mesmo não sendo membro do clube – e ainda que tenha comido no Aya (ah, injustiça!). À frente do balcão estava – e está – o chef Fagner Buzinhani, com quem conversava sobre a época do ouriço e a maturação do atum. Fagner era de uma sabedoria serena, ao contrário de certos sócios, pseudo-especialistas em fine dining e em baboseiras de gourmet novo-rico que fariam Yoshitake bolsar. À parte a parvoíce do pseudo-clube, tudo o resto era maravilhoso no Go Juu. Comi lá sempre bem, sempre peixe fresquíssimo, sushi clássico sem atalhos, peixe pescado com anzol por mãos de bordadeira. De topo, igualmente, a cozinha de quentes, tradicional e diversificada. Lisboa não terá melhor, ainda hoje, se descontarmos sítios com preços acima de 60 euros por cabeça. Mas, pronto, havia o clube e isso aborrecia-me. Havia o clube e por causa disso não ia lá há algum tempo. Até que bateu de novo aquele desejo por peixe cru. Comecei a sonhar com fatias de dourada, rosáceas de pregado e arroz glutinoso. Era preciso fazer alguma coisa. A questão colocou-se: voltar ou não voltar? Voltar. De resto, o suposto clubismo estari
Comefinamento: Izcalli

Comefinamento: Izcalli

Como se monta um restaurante de chef num saquinho de take away sem obrigar o cliente a ir para o fogão? Não monta. Para já, não monta.À segunda clausura forçada da restauração portuguesa, parece evidente que comida de chef, comida com tempos de cozedura precisos, comida de sabor e de estética, não cai na mesa das nossas casas directamente das mãos do estafeta. Comida de chef exige trabalhos, mesmo que mínimos.No caso do Izcalli, há pratos em que é preciso cozinhar ou montar quatro ou cinco elementos. Uma encomenda para uma família grande, com entrada, dois principais e sobremesa, pode chegar aos 15 ingredientes, às 15 caixinhas e saquinhos de vácuo e frasquinhos. Aos 15 procedimentos.Facilita, por isso, que à frente de um take away destes esteja uma cabeça habituada ao cálculo e à logística. E é isso mesmo que acontece com Ivo Tavares. Ivo Tavares quase foi informático, quase tirou matemática aplicada, quase foi chef Michelin, mas acabou a montar um balcão para seis pessoas de alta comida mexicana em Alcântara, com a extraordinária Paola Arango, uma ideia que parecia uma impossibilidade financeira e uma experiência fugaz mas se tornou numa referência gastronómica incontornável de Lisboa com três anos de vida.É a cabeça meticulosa de Ivo que nos salva do pânico quando vemos a encomenda que ele próprio nos vem entregar a casa. A encomenda não parece um take away, parece um armazém da DHL. Basta olhar para a carga para percebermos que vai ser preciso montar uma mise en place amp
Comefinamento: Essencial

Comefinamento: Essencial

Se o jantar inclui pithivier, sei quem vou desafiar.“Viva, hoje temos pithivier. Quer vir cá jantar a casa?”Habituado à austeridade da culinária duriense, o sogro contrapôs, do outro lado da linha, desconfiado e ríspido. "Pithivier? O que é pithivier?"Procurei simplificar, recorrendo à semântica transmontana. “É uma empada grávida de gémeos que gosta muito de manteiga. Está a ver o chausson de maçã? Imagine um chausson, mas em vez da maçã tem faisão trufado lá dentro.”“Chausson! A que horas?”Às 18.15 tocou à porta Daniel Silva. Daniel Silva é o homem da sala do Essencial. Estudioso de vinhos de Portugal e do mundo, entusiasta da identidade e do terroir, costumava pairar delicadamente de mesa em mesa, sem se impor mas disponível para falar se o quiséssemos ouvir.Nesta circunstância, Daniel limitou-se a entregar o saco de papel kraft com o Menu 4 pratos (duas entradas + um prato principal + uma sobremesa = 50€ + 5€ de entrega).Remeteu explicações sobre finalizações para um cartãozinho e retirou-se com covidesco bom senso.Pus logo a mesa de acordo com os tempos, cada um sentado numa ponta, como fariam os aristocratas franceses do século XVII da comuna de Pithiviers, na cidade de Orléans, quando jantavam com suas donzelas. Abri as janelas contra o bicho mau e tratei de torrar pão. O sogro adora pão e presumi que iria precisar dele. O menu daria para um estômago e meio, ou seja, daria para o sogro.Quando ele chegou, eu estava a estudar o cartãozinho e a dispor as caixinhas. Duas e
Comefinamento: Zunzum Gastrobar

Comefinamento: Zunzum Gastrobar

A moda do take-away tem mais coisas más do que boas. Mas há uma que é notável. É que, nalguns casos, ajuda-nos a perceber como funcionam as cozinhas de chef. Com o take-away, mesmo longe das cozinhas profissionais, podemos ficar a saber como se faz o nosso prato preferido do restaurante.Explico. Aqui há umas semanas, escrevi sobre um arroz de bivalves que comi no ZunZum, da chef Marlene Vieira. Foi nesses idos meses de 2020 em que podíamos jantar numa mesa que não a da nossa sala. Na altura, parti a cabeça por causa do prato. Qual seria o segredo? Como se fazia aquilo? Como se conseguia aquela textura sedosa?As respostas entraram-me pela casa há dias. Num saquinho de papel com o logotipo da chef Marlene Vieira, vinha uma série de produtos embalados a vácuo – nada mais nada menos do que os ingredientes do arroz do ZunZum.Ao consultar o menu do take-away, no site do restaurante, ao lado da carta de pratos prontos a comer, vi uma série de propostas para finalizar em casa. Entre elas estava a do arroz de berbigão à Bulhão Pato, com tataki de espadarte rosa. Embora renomeado, adivinhava que a essência seria a mesma do tal arroz que me deslumbraram umas semanas antes.Enquanto o resto da família atacava as entradas do repasto — pataniscas, empada (manteigosa) do cozido, asinhas de frango fritas —, dei por mim a ler as instruções de confecção como se fosse a sebenta do exame de Matemática do 12º ano. Felizmente, não havia números. Era só “deite isto, depois aquilo, por fim aqueloutro
Comefinamento: Tratto by Trattoria

Comefinamento: Tratto by Trattoria

As massas italianas têm um ponto de cozedura preciso, são seres sensíveis e delicados. Fechá-las dentro de uma mala térmica às costas de um indivíduo que se julga o Miguel Oliveira das PCX é como pôr um prato de sopa no programa de secagem extra da máquina de secar. As hipóteses de chegar tudo esbardalhado são imensas e incontornáveis.Em todo o caso, é bom podermos comer pasta fresca no lar. Mesmo que não fique al dente, no ponto perfeito, há um momento em que o corpo pede hidratos de carbono e pecorino e molho de tomate – e nós devemos agradecer a quem arrisca levar a casa o que nós pedimos, mesmo se o que nós pedimos é um absurdo culinário.Há, aliás, vários absurdos culinários do take away que são muito populares. Talvez o exemplo mais notório disso seja também de origem italiana: a pizza. A pizza, por definição uma rodela de pão assado coberta com queijo e coisas, quando fechada em cartão, fica suada e mole como uma fita de cabeça depois de uma partida de squash. Pior do que massa de pizza cozida, suada e mole, só queijo de pizza cozido, suado e mole.E ainda assim as pessoas pedem muitas pizzas ao domicílio. E ainda assim as pessoas pedem muitas massas ao domicílio. Porque as pessoas são absurdas e as pessoas têm fome. E os restaurantes respeitam isso. Uma salva de palmas.Neste Tratto by La Trattoria, braço da comida para fora do La Trattoria, ancião restaurante italiano da Rua da Artilharia, activado para take away em Junho do Ano 1 d.P. (depois da Pandemia), os pratos di
Comer em tempo de Covid: A Trempe

Comer em tempo de Covid: A Trempe

Quando Lisboa ainda não tinha restaurantes com mobiliário nórdico e bancos Chesterfield, houve uma tendência de fazer restaurantes com telheiros interiores. O telheiro interior era uma forma de dar um ambiente de casinha rural a um restaurante encarcerado num prédio urbano de Lisboa e não só.Sou fã de restaurantes com telheiros interiores e colecciono-os. Os telheiros interiores, com as suas telhas a bordejarem a cozinha e a entrarem pela sala, costumam ser um cliché kitsch e um veículo de alentejanice. Entra-se num restaurante com telheiro em Campo de Ourique e, de repente, está-se num tasco de casario em banda algures no interior do distrito de Beja.No caso de A Trempe, estamos perante um duplo telheiro: um exterior, cravado na fachada do prédio, e um interior. Duplamente kitsch, duplamente rural. Viva o telheiro.Já cá tinha feito três refeições no passado. A sensação, à entrada, foi a mesma. Eis uma casinha fofa, uma cozinha de bem-comer familiar, que resiste ao modernismo culinário do bairro e das suas gentes. Decoração de tijoleira e as famosas trempes, nome dado aos aros com três pernas sobre as lareiras, onde assentam (assentavam) as panelas de ferro.Na mesa, foram logo postos petiscos (sem terem sido pedidos). Salsichão de porco preto cortado finamente; torresmos do rissol fritos no dia, chamucinhas de carne sem picante (e sem história); pão tipo alentejano fatiado; e uma saladinha mista. A carta nem apareceu, que os pratos do dia expostos eram apetitosos e bastavam,
Comer em tempo de Covid: Lés-a-Lés

Comer em tempo de Covid: Lés-a-Lés

Estava ainda a maldizer o pão com excesso de fermento industrial e esfarelado, porventura conservado no frio, quando cai na mesa o melhor rissol de camarão de que me lembro. Tudo perfeito: massa da grossa bem frita, o recheio um creme sedoso e piscícola a lembrar os rissóis de peixe de antigamente, lá pelo meio troços rijos do marisco, tudo quente a deitar fumo. Se tivesse que eleger comida de conforto, os fritos estariam no topo das preferências, sobretudo os pastéis. Estão fora de moda, ninguém os vai ver na boca de um influencer, mas são miminhos de avozinha de escumadeira na mão, são manta no colo e mesa com flores estampadas na toalha, são cozinha com braseiro e relógio de cuco. “Oh lá, lá”, atirou às tantas o meu amigo, já abalançado para os pastéis de massa tenra, acabados de pousar: folhados, pouco canónicos na substância de carne picada atomatada – muito bons, também. A cabidela veio confirmar o talento do sítio, projecto de Frederico Pombares e Tito Serradas Duarte, proprietário do Mariscador, restaurante que residiu neste mesmo avançado do Campo Pequeno (como ainda atestam os talheres). Os bagos de arroz gordos e gostosos, o molho aveludado e gomoso ao jeito do risoto, tudo no ponto, da cozedura ao vinagre, da doçura ao sal. A fasquia baixou com o entrecosto. Falhar um entrecosto é difícil. Basta tempo a cozinhar e temos comida boa. Este, longe de estar falhado, não era brilhante, expectativa legítima num restaurante que promete o melhor da gastronomia portuguesa.
Comer em tempo de Covid: Mattë

Comer em tempo de Covid: Mattë

Andava há muito para fazer esta prova: mostrar aos meus filhos adolescentes que o salmão que eles comem enrolado em arroz com queijo creme nos buffets chineses da cidade não é sushi. Fiz-lhes muitas vezes a conversa. Sushi é algo delicado, complexo, elegante. É preciso saber do melhor peixe, da época dele, do corte perfeito, da temperatura. É preciso saber do arroz. A tudo isso eles respondiam com a arma do costume: “Pai, és um snob preconceituoso. Devias provar os rolinhos com maionese do Yokohama.” Eis então o momento da verdade. Antes de fazer o pedido, fui ao balcão olhar os peixes. Tudo com excelente aspecto. Lombos brilhantes e gordos. Na ponta, um enorme pedaço de chu-toro de atum rabilho, ligeiramente marmoreado. “Este é que os vai convencer.” O processo foi gradual. Primeiro, veio o hamachi de lírio. Os miúdos rejubilaram logo com as lâminas marinadas em molho ponzu, yuzu e óleo de trufa – clássico guloso que o chef Habner Gomes trouxe do Hikidashi, restaurante de Campo de Ourique onde esteve antes de aqui residir. Depois, subiu-se de nível para um sashimi clássico: atum, dourada, pregado e salmão. Peixes fresquíssimos, cortados na perfeição. “O pregado é muito bom”, disse a mais velha. “Este salmão não tem nada a ver”, deliciou-se o mais novo. Por fim, a pièce de résistance, a mais notável proteína crua que um humano pode levar à boca. A maior bomba de umami inventada pelos japoneses. Se os garotos ficassem indiferentes aos niguiri de chu-toro teria de os deserdar.
Comer em tempo de Covid: Patuá

Comer em tempo de Covid: Patuá

Faria sentido que Lisboa tivesse uns quantos bons restaurantes de cozinha macaense. A cozinha macaense será, com a de Goa, uma das mais originais fusões culinárias onde os portugueses participaram. Sucede que restaurantes goeses em Lisboa há uma boa meia dúzia, macaenses nem por isso. Nem em Portugal, nem em Macau. Os chineses de Macau borrifam-se para a herança lusa e os portugueses de Macau ficam encostados a ver a história passar. Há ainda algum folclore imposto por meia dúzia de regras definidas na transição do território para a alçada da China, como as fardas da PSP e os nomes das ruas em português, mas a comidinha é toda chinesa, com excepção do extraordinário Riquexó, a tasquinha da dona Aida Jesus, anciã com 104 anos. Mariana Valle Lima Em boa hora, por isso, nasceu uma tasca macaense na fronteira entre os Anjos e a Penha de França. (Sim, outra vez a Penha de França. Viva a Penha de França. A Penha de França é, porventura, o bairro que melhores surpresas me tem dado nos últimos meses. Uma tasca macaense na Penha de França é uma coisa bela.) À frente dos fogões está “o Xico”, contou quem serviu à mesa. Xico é filho de mãe macaense e tem avó chinesa. A fiscalização familiar do receituário é apertada. “Muitas vezes vai às compras e telefona à mãe e às tias para esclarecer dúvidas”, detalhou. Xico tem o prazer das suas origens (Patuá é uma referência ao crioulo macaense) e tem mais, porque domina outros territórios e é livre. Tanto toca a música da sopa tom yum tailande
Comer em tempo de Covid: Café Mortara

Comer em tempo de Covid: Café Mortara

A Lena D'Água tinha acabado de tocar no Maria Matos e eu chorei como uma criança a quem caiu o gelado no chão. Pode ter sido da emoção de voltar a uma comunhão artística, depois do início da pandemia. Pode ter sido daquela mulher ali, regressada dos confins da desolação, erguida por uma banda de jovens frescos e felizes. Pode ter sido de “A Culpa é da Vontade”, do Variações, ter tido a melhor interpretação de sempre. Chorei. Chorei muito. Chorei feliz. Chorei tanto que, no fim, só me apetecia beber uma cerveja. Duas, três. Era assim que fazíamos antigamente. Íamos a um concerto e depois bebíamos umas cervejas. E agora eu precisava de repetir o ritual, mas não havia nada aberto. De repente, já a chegar ao lugar do carro, eis uma porta aberta, eis duas mesinhas em frente a uma loja, eis duas pessoas a beber uma cerveja. Não era bem um café, não era bem um restaurante. Era uma lojinha mínima sem fogão, com uma mesa lá dentro e duas cá fora. E bebida. E comida. “Estamos mesmo a fechar, mas se quiserem beber alguma coisa ou comer ainda dá”, disse Vítor Mortara, responsável do Café Mortara juntamente com Letícia Mendes, sua companheira. Ou comer! Comer o quê? Os concertos não dão só sede, também dão fome. “Temos massas frescas”, esclareceu Mortara, um brasileiro de São Paulo com ascendência italiana e bigodinho hipster. Massas frescas e cervejas artesanais num cafezinho do Bairro das Estacas, nas traseiras da Avenida de Roma. Depois de um concerto. Maravilha. Gabriell Vieira Ness
Comer em tempo de Covid: The Art Gate

Comer em tempo de Covid: The Art Gate

A porta da rua está fechada. Nenhuma tabuleta, nada que indique um hotel ou um restaurante ou uma galeria de arte – tudo o que o The Art Gate anuncia ser. Recorro ao Google e certifico-me então da morada completa. É mesmo aqui. Toco à campainha e subimos ao 1º esquerdo. Mandam-nos aguardar numa sala/recepção, acompanhados por um quadro de José Pedro Croft. O meu amigo, conhecedor do mercado da arte, atira: “Custa mais do que a minha casa.” A espera tem a ver com “a preparação do primeiro momento”, na galeria ao lado, e faz-se com outros comensais, também com reserva para a mesma hora. Há um certo desconforto nessa pausa, mas eis que chega um dos cozinheiros para nos guiar. O périplo pelo menu de degustação de 17 pratos – única modalidade disponível (90€) – inicia-se pela galeria. Explica-se o conceito, explica-se o que se vai comer, explica-se como devemos proceder. Explica-se muito. Os primeiros quatro aperitivos são tomados de pé em modo de cocktail volante, tudo bom, destaque para uma espuma de chá com pó de hibiscos e sumo de frutos vermelhos. Passamos depois pela sala de comer, apenas com uma mesa comunitária, mas que mesa: uma roda de madeira pesada e larga da autoria do romeno Mircea Anghel. Em redor cabem meia-dúzia de pessoas com distância Covid e cabe mais arte e design: por cima candeeiro Tom Dixon, nas paredes fotografias de Daniel Blaufuks. Eu e o meu amigo seguimos para a chef’s table, na própria cozinha, um balcão onde vemos os fogões e a mise en place. Estamos