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No Rock in Rio, um espetáculo está levando o público a uma emocionante viagem ao passado, onde sonhos e rock se entrelaçam. "Sonhos, Lama e Rock and Roll", idealizado por Roberto Medina e com direção geral de Charles Möeller, traz à vida a história de Elizabeth Lobo, uma jovem que, em meio a uma crise política e econômica em 1984, luta para realizar o sonho de trabalhar no maior festival de música do mundo. Com uma trilha sonora vibrante e um elenco talentoso, a produção não só celebra quatro décadas de história do festival, mas também resgata a essência da perseverança diante das adversidades. Nesta entrevista, Möeller compartilha sua visão e os desafios de dirigir o primeiro musical apresentado no evento, que deve reunir 20 mil espectadores até o final desta edição.
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O musical celebra quatro décadas de Rock in Rio, um dos maiores festivais de música do mundo. Como foi o processo de condensar tantas histórias e momentos icônicos em uma única produção?
Comecei há um ano, separando os fatos mais transformadores, tentando entender o recorte. Escolhi o momento em que o Roberto Medina tem a ideia do festival até a abertura dos portões, e aí fui listando todos os fatos que tinham relevância. Escrevi muito, praticamente 400 páginas em formato de teatro e comecei o meu processo de condensamento das cenas, sabendo que a letra de cada música tornaria o texto escrito ainda menor, porque meu objetivo aqui era sempre que a canção também fizesse parte da dramaturgia.
Como foi selecionar as canções que representam a essência do Rock in Rio para o musical? Houve alguma música que você considerava indispensável?
Essa foi a parte mais complexa de todas. Primeiro decidimos, junto com o Zé Ricardo, que só entrariam músicas que tivessem sido apresentadas no festival nesses últimos 40 anos. Depois, o que me coube foi escolher as canções que avançariam a cena na dramaturgia. Não adiantava nada ter hinos que tocaram em 1985, mas que não ajudasse a contar história. Nenhuma escolha foi aleatória, os personagens cantam exatamente aquilo que está acontecendo. Não existe uma canção que seja – como a gente diz no teatro musical – uma canção de cortina, aquela que só está ali para enfeitar ou de fundo.
Teve algum corte dolorido?
"Love of My Life", do Queen, é uma canção que estava desde o primeiro tratamento, é um ícone do festival de 1985 e acabou saindo do roteiro dez dias antes da estreia porque atrasava a ação. Então, o critério foi tão rigoroso que qualquer música que estivesse ali apenas como um jukebox não funcionaria. E a gente optou realmente em ser bastante coerente no conceito.
Como foi a recepção no primeiro fim de semana do evento? O que mais te surpreendeu na reação do público até agora?
Tenho total consciência que nós não somos a programação principal. Nós estamos ali na Cidade do Rock e as portas vão estar abertas para os que chegam. Estamos em cartaz com "A Noviça Rebelde" na Cidade das Artes, pertinho da Cidade do Rock, com sessões absolutamente lotadas. A gente tem uma marca de direção que levam as pessoas a assistir aos nossos espetáculos e, aqui, é uma situação diferente. Mas, desde o início, eu pensei: mesmo se não aparecer ninguém o circo tem que funcionar, a Cidade tem que apresentar as suas atrações – e eu sou uma delas. Mas, surpreendentemente, a gente teve de cara uma aceitação muito grande, o boca a boca vai surgindo. As pessoas estão fascinadas. A última sessão de sexta-feira, dia 20, teve lotação total e fila de quase 300 pessoas esperando para entrar. Saber que a gente está sendo procurado numa Cidade que tem tantas atrações, tem tantos shows espetaculares e tanta coisa para fazer, é emocionante. Estamos lotando todas as sessões. Isso é muito gratificante.
Para os artistas envolvidos na produção, como foi o processo de se conectar com essa memória coletiva que o Rock in Rio representa? Houve algum momento particularmente emocionante durante os ensaios ou nas apresentações?
Todo o processo foi muito emocional para todos. Afinal, estamos contando a história das pessoas que estão ali, que fizeram esse festival. Roberto Medina é um criador muito presente e absolutamente fantástico. Poderia ser difícil criar, contar a história de um criador estando vivo, presente, assistindo, mas ele é tão generoso e fantástico, que ele lança ideia e deixa você livre para voar e ele só quer assistir. E foi muito emocionante tê-lo assistindo nos ensaios. E as pessoas que participaram do primeiro festival assistindo a gente. De uma certa forma a gente está contando a história de um lugar que ainda existe. As pessoas têm ainda o mesmo espírito da realização do sonho impossível e esse ato de bravura, de uma filosofia estoica de você ser afinado pelo não e pelas adversidades ainda existe em todas as pessoas que fazem aquele festival. E óbvio, a gente vai ficando cada vez mais envolvido com a história, cada vez mais envolvido com o festival. Quando você está na sala de ensaio é uma coisa, mas quando você vai para a arena e você vê que a gente está contando exatamente aquilo que está acontecendo, como tudo começou e como está tudo hoje. A dimensão, a grandiosidade, a beleza, o profissionalismo que você está contando ali, o comecinho desse maravilhoso mundo que se tornou. A cidade mudou por causa do Rock in Rio, o país mudou, o entretenimento nesse país mudou por causa daquela história que a gente está contando hoje, então isso nos emociona demais.
Quais foram os maiores desafios em montar um espetáculo de tamanha magnitude, especialmente em paralelo com um evento ao vivo como o Rock in Rio?
Os desafios sempre são relacionados ao tempo. O festival produz a minha arena, mas ele produz o evento inteiro. A equipe de cenografia faz cenário para mim, mas faz para o evento inteiro. E assim são todas as outras equipes. Estou acostumado a trabalhar com grandes espetáculos, acho que isso foi uma das razões de eu estar ali e de eles terem confiado em mim para levantar esse tipo de coisas. Porque, além de ser um diretor, eu sou um produtor e eu sei lidar com grandes eventos. Mas esse é um evento que é enorme até para mim, que estou tão acostumado. A gente sempre tem que estar trazendo soluções e não problemas e enfrentando essas situações tão enforcadas em termos de produção e de tempo trabalhando em dobro. Uma das grandes soluções que encontrei é estar bem à frente nas coisas. Eu tendo a ter tudo muito pronto antes, trabalhar em dobro para ter tudo muito pronto antes.
Você acredita que o musical pode ter uma vida além do festival? Existe a possibilidade de turnês ou outras formas de manter esse projeto vivo após o Rock in Rio?
Tenho certeza que um espetáculo fora da Cidade do Rock tem tudo para acontecer, porque tem todos os elementos de um grande musical, de um musical espetacular. Não perde em nada para a Broadway em termos de tamanho, excelência, qualidade de elenco, repertório musical. É uma dramaturgia afiada, interessante, moderna. É aquilo que eu venho estudando, acreditando, e fazendo fora do Rock in Rio. O mais interessante de trabalhar no festival com Roberto Medina, com Zé Ricardo e com todas as pessoas que me cercam é que não faço nenhuma concessão. Não faço um musical que vá se adaptar para o festival. Faço um musical como acredito que tem que ser feito e eles me dão estrutura para isso. A orquestra ao vivo, o microfone, a melhor luz do mundo, cenografia exuberante, está tudo lá. O que eu faço fora, faço dentro do festival; e o que faço dentro do festival tranquilamente pode ir para qualquer lugar fora e com certeza faremos isso.