– é desta, car*%#?, liga-me o Zé, esfomeado e já sem paciência.
– ‘Tá bem, pá. Encontramo-nos à porta’.
Desde que o restaurante O Afonso, ali em Cedofeita, apareceu no Parts Unknown, o programa do Anthony Bourdain, o gajo não me larga para lá irmos fazer uma crítica. Admito que o episódio me despertou a curiosidade para aquela francesinha rechonchuda mas, quem me conhece, sabe que sou fiel como um cão a uma outra desta cidade. Somos uma espécie de amantes, eu dou-lhe umas dentadas e ela enche-me de prazer. Por isso, fui a arrastar-me para o restaurante, a sentir-me um pulha que trai um amor de anos.
Ele estava ao balcão, de fino na mão e numa excitação. Eu, sentia-me um puto desconfortável que tenta ignorar uma mulher bonita, evitando olhar para a chapa onde o pão torrava e os bifes cozinhavam languidamente. Fixei, então, o olhar, enquanto esperávamos por uma mesa (estavam todas cheias de emigrantes), nas 11 torneiras de cerveja à pressão, no ecrã que passava o dito programa em loop, numa estátua do deus Ganesh – que era também uma cascata que com a força (ténue) da água fazia rebolar uma bola de acrílico –, e num peixe num aquário que temi que se afogasse na água turva em que vivia. À entrada havia também um altar ao Senna, que incluía uma réplica da grelha de partida de Imola, onde morreu em 1994. Os remorsos deram lugar à angústia. E o Zé tão feliz, completamente alienado do meu conflito interior.
Pousaram-na à minha frente. Ele atacou-a como um cão feroz. Eu fui mais comedido, como quando um homem conhece uma mulher e vai cheio de salamaleques para junto dela. O pão estava torradinho e fofo, a carne do bife bem passada e saborosa, e a fatia de mortadela com bagos de pimenta preta dava-lhe um toque interessante. E, depois, havia ainda a linguiça salgada a encher o prato de vida, muito queijo, e um molho ligeiramente picante a envolver tudo numa alarvice estonteante que me fez soltar um “Meu Deus!”. Comi-a com sofreguidão. E ainda arranjava espaço para repetir a dose. Raios, nunca mais descriminalizam a bigamia.
*As críticas da Time Out dizem respeito a uma ou mais visitas feitas pelos críticos da revista, de forma anónima, à data de publicação em papel. Não nos responsabilizamos nem actualizamos informações relativas a alterações de chef, carta ou espaço. Foi assim que aconteceu.